ISSN: 1983-6007 N° da Revista: 09 Setembro à Dezembro de 2009
 
   
 
     
  Artigo  
   
     
  Avaliação da metodologia da Conversação Clínica junto aos CAPS em Minas Gerais  
  (Evaluation of the methodology of Conversation Clinic in the CAPS in Minas Gerais)  
     
 

Claudia Mayorga

 
 

Doutora em Psicologia Social;
Professora do Departamento de Psicologia da UFMG

                               
 
 

André Diniz

 
 
Psicólogo e pesquisador na área de Psicologia Social
 
     
 

 

Resumo: Este artigo reúne os resultados da ultima etapa do Projeto de pesquisa intitulado: “Investigação sobre os efeitos discursivos da ‘CAPScização’ da atenção à saúde mental: avaliação qualitativa dos processos de institucionalização do modelo CAPS”. Tal etapa foi denominada Avaliação da Metodologia da Conversação Clinica junto aos CAPS em Minas Gerais e teve como objetivo a avaliação qualitativa da metodologia da conversação clinica em seis municípios no Estado de Minas Gerais. A metodologia utilizada foi a dos grupos focais. Foram convidados para participar dos grupos focais profissionais de diversas áreas e equipamentos que tivessem participado de alguma conversação clínica. Os resultados abordam o conhecimento da metodologia da conversação clínica pelos participantes, a diferenciação com o processo da supervisão, a presença da interdisciplinaridade no processo entre outros.
Palavras-chave: avaliação, metodologia, grupo focal

 

Abstract: This article brings together the results of the last stage of the research project entitled "Research on the effects of discursive 'CAPScização' of mental health care: qualitative evaluation of procedures for the institutionalization of the CAPS model. This step was called Assessment Methodology Clinical Conversation with the CAPS in Minas Gerais and was aimed at the qualitative assessment of the methodology of conversation clinic in six municipalities in Minas Gerais. The methodology used was focus groups. Participated in focus group professionals from different areas and equipment that had participated in some conversation practice. The results address the knowledge of the methodology of conversation clinical participants, the differentiation with the process of supervision, the presence of interdisciplinarity in the case of others.
Key-words: evaluation, methodology, focus group.

 

1. Introdução

Este artigo reúne os resultados da ultima etapa do Projeto de pesquisa intitulado: “Investigação sobre os efeitos discursivos da ‘CAPScização’ da atenção à saúde mental: avaliação qualitativa dos processos de institucionalização do modelo CAPS”. Tal etapa foi denominada Avaliação da Metodologia da Conversação Clinica junto aos CAPS em Minas Gerais(1)e teve como objetivo a avaliação qualitativa da metodologia da conversação clinica em seis municípios no Estado de Minas Gerais, a saber: Belo Horizonte, Betim, Buritizeiros, Governador Valadares, Perdões, Santos Dumont e Uberaba. Em Belo Horizonte e Betim foram realizados estudos piloto, uma vez que nesses dois municípios a política de saúde mental tem um histórico mais amplo de implementação da metodologia da conversação clinica.

Na primeira parte desse relatório realizamos uma breve consideração sobre o percurso metodológico utilizado para essa etapa da pesquisa. Em seguida, apresentamos as análises de resultados da avaliação realizada em cada um dos 7 municípios acima destacados a partir de categorias de análise relacionadas a aspectos clínicos, institucionais e políticos. Por fim, concluímos o artigo com considerações gerais e finais acerca da implementação da metodologia da conversação clinica nos CAPS investigados.

2. Percurso Metodológico

Para alcançar nossos objetivos, escolhemos como metodologia de pesquisa, os grupos focais. Escolheu-se, portanto, uma abordagem qualitativa cujo enfoque é na compreensão de um contexto particular, respaldando-se na interpretação, na busca de significado, na subjetividade e na intersubjetividade (Gondim,2002, Kind, 2002).

O grupo focal é um instrumento de pesquisa que visa a coleta de dados qualitativos que podem ser contemplados no processo grupal. É um método que propicia a obtenção de “[...] uma variedade de informações, sentimentos, experiências, representações de pequenos grupos acerca de um tema determinado” (Chiesa; Ciampone, 1999; Alzaga, 1998; Nery 1997; Canales; Peinado, 1995 Apud Kidd, 2004, P.126).
No grupo focal o moderador possui o papel de facilitar o processo de conversação e debate entre os membros de um grupo, deslocando seu interesse para a inter-influência de respostas que se produzem nas discussões grupais desencadeadas sobre um determinado assunto. As intervenções são pontuais, para esclarecer as opiniões emitidas, introduzir e concluir tópicos de discussão. É importante destacar que o grupo é tomado como unidade de análise, ou seja, se uma posição é apresentada por um participante do grupo, mesmo não sendo partilhada por todos os outros integrantes, na análise dos resultados, é tomada como do grupo (Bunchaft, Gondim, 2004).

Existem, pelo menos, duas classificações de grupos focais, a de Morgan e a de Fern. Para Morgan (1987; 1996), há três perspectivas no uso de grupos focais, que se diferenciam quanto à centralidade desta técnica para vir a responder ao problema da pesquisa. A primeira perspectiva é a do grupo focal auto-suficiente, que considera a técnica como principal fonte de dados, por revelar aspectos oriundos dos processos de interação grupal, que não são facilmente acessíveis pela técnica de entrevista individual. Os dados obtidos são suficientes para dar resposta ao problema da pesquisa. A segunda perspectiva descreve o uso dos grupos focais como fonte preliminar de dados. Neste caso, os grupos focais atendem a finalidades exploratórias e servem para dar subsídios para a criação de itens de instrumentos e para a realização de pré-testes. A terceira e última perspectiva é aquela que concebe a técnica como associada a outros métodos. Neste caso, os grupos focais são combinados a dois ou mais instrumentos de coleta de dados, com o objetivo da triangulação, ou seja, avaliar as possibilidades de se chegar a conclusões similares ou complementares partindo de um único objeto de estudo complexo. Na pesquisa aqui apresentada, consideramos que a utilização dos grupos focais para avaliação da metodologia da conversação clínica junto aos CAPS em Minas Gerais deverá ser contraposto e analisado junto com outros dados levantados pelos membros da pesquisa “Investigação sobre os efeitos discursivos da ‘CAPScização’ da atenção à saúde mental: avaliação qualitativa dos processos de institucionalização do modelo CAPS”.

Para realização dos grupos focais foi elaborado um temário/roteiro de entrevista com consistia em dez perguntas elaboradas a partir da leitura do projeto da pesquisa acima mencionado e conversas com a equipe de pesquisadores responsáveis pela mesma.

2.1. A seleção dos sujeitos

Foram convidados para participar dos grupos focais profissionais de diversas áreas e equipamentos que tivessem participado de alguma das conversações clínicas realizadas pela equipe da pesquisa em questão ou; como no caso de Belo Horizonte e Betim, de outras conversações que já tivessem ocorrido há mais tempo, independente da proposta desta pesquisa.

Buscou-se aproveitar horários já pré-definidos de encontro das equipes para realização dos grupos focais. Assim, foram feitos contatos com pessoas-chave dos municípios investigados e a partir do mesmo, disparada a chamada para participação no grupo focal. A equipe da pesquisa disponibilizou listas de presença das sessões de conversação o que também facilitou o contato com os participantes. 

Em alguns municípios, embora o convite para participação do grupo focal tenha sido bem claro em relação à necessidade de já ter participado de alguma conversação clínica, houve a presença de participantes que não cumpriam esse critério. Isso foi detectado logo no início dos grupos focais e avaliou-se que, como as perguntas eram direcionadas a quem havia participado a presença de outras pessoas não interferiria na condução do grupo focal.

2.2 Grupos focais realizados

Abaixo elaboramos uma pequena tabela que indica município em que foi realizado o grupo focal e número de participante(2).

 

Município

 

Número de participantes

Belo Horizonte

13 + 02 observadores

Betim

14 + 05 observadores

Buritizeiros

08 + 02 observadores

Governador Valadares

08

Perdões

08

Santos Dumont

08 + 01 observador

Uberaba

10

3. Análise e Resultados

Como apresentado acima, passamos para a apresentação dos resultados nos 7 municípios onde foi implementada a metodologia da conversação clínica. Para  cada município seguiremos o seguinte roteiro: considerações sobre os aspectos metodológicos e análise e resultados dos grupos focais. Nos casos de Belo Horizonte e Betim que foram casos piloto na pesquisa, as análises incluirão também as entrevistas realizadas com os coordenadores da política de saúde mental de cada um dos municípios. 

3.1. Localidade: Belo Horizonte/MG

Resultados

Para fazer uma análise mais profunda da realização das conversações clínicas em Cersam localizado na cidade de Belo Horizonte, é preciso compreender  um pouco do histórico de implementação dessa política no município, histórico este que possui várias especificidades em relação à sua implementação e também tempo de duração.  Para tanto, antes de passarmos à análise do grupo focal realizado em Belo Horizonte, traremos alguns aspectos mais amplos da política a partir da análise da entrevista realizada com o coordenador da política de saúde mental deste município.

O primeiro aspecto ressaltado pelo entrevistado é a diferença da implantação dos CAPSs, chamados em Belo Horizonte, de CERSAM´s de outros CAPS no nível nacional. Para o entrevistado, Belo Horizonte tem uma história própria, primeiro pelo movimento que se instaurou nesse município no final da década de 70, década de 80 que foi marcado pelos movimentos de luta anti-manicomial mais organizados, e mais fortes do país. Tal movimento não esteve separado da organização e força de outros movimentos sociais e políticos do município que vão influenciar inclusive o próprio cenário político da cidade. Tal cenário culminará como ponto de destaque, com gestões municipais de caráter mais participativo e em maior diálogo com os movimentos sociais. Esse cenário será um pano de fundo importante, segundo o entrevistado, para que a reforma psiquiátrica na cidade fosse colocada em prática. È por esse motivo que o entrevistado compreende que Belo Horizonte possui um papel de destaque no cenário nacional, com sustentação no governo e na sociedade. Contudo, manifesta preocupação com perspectivas que pensam que a reforma já se implementou. Para ele estamos ainda no meio do processo e muita coisa deve acontecer.

Isso possibilitou um debate que foi/vai para além da assistência psiquiátrica, mas a própria discussão acerca da loucura na sociedade. Isso fará com que o debate da reforma seja muito mais do que a questão de um determinado governo, mas do estado, já que possibilitou uma maior solidificação do debate no município.

Exemplifica o lugar de Belo Horizonte nas discussões nacionais. Relata que enquanto em nível de Brasil os serviços estão discutindo se atendem crise ou não, em Belo Horizonte o que se debate e reivindica é por qualidade no atendimento. Parece que o que preocupa é com que arcabouços teóricos, metodológicos, institucionais e de infra-estrutura essa crise será atendida. Parece, segundo a fala do entrevistado, que em Belo horizonte se tem uma percepção bem clara de que os problemas com os quais a política de saúde mental não possuem respostas definitivas e prontas, mas é necessário ter uma postura de criação e invenção de soluções.

Chama a atenção para uma certa percepção de que os CAPS já são uma conquista suficiente. Parece chamar a atenção para a necessidade de uma não acomodação em relação às conquistas já que o que se espera é uma mudança social muito maior. Se refere a uma percepção dos CAPS como ambulatórios e afirma que esse é de fato um problema concreto. Diz que o momento da saúde mental é bem diferente de tempos atrás já que uma série de conquistas já foi alcançada inclusive soluções já foram implementadas e já estão institucionalizadas. A materialização dessas conquistas parece que estão colocando novos desafios para a política que podem ser compreendidos, como os desafios da mudança social.

(...) é muito melhor que simplesmente que no tempo que a gente ia para rua... que a gente criticava hospícios. Hoje nós estamos tendo que haver com problemas concretos entre eles até que ponto os nossos equipamentos, os nossos serviços também não reproduzem por exemplo as mesmas lógicas? (...) você simplesmente critica uma coisa que é evidente e quando você anuncia princípios, propósitos, quando você coloca em prática uma coisa que você vai ver que o velho e o novo tornam misturados...

Reafirma que a política de saúde mental que virou realidade trás novos problemas e novas soluções. O entrevistado parece reconhecer a necessidade de se estar sempre em alerta, pois os riscos da institucionalização podem ser nocivos para o propósito da política que é promover uma mudança maior.

A compreensão do coordenador da política de saúde mental acerca do cenário atual da mesma foi utilizada aqui como introdução da análise do grupo focal que aconteceu em Belo Horizonte. Passamos agora para a análise do grupo.

Um dos aspectos que foi destacado sobre a metodologia da conversação clínica se refere ao fato desta não ter instaurado a prática da conversa dentro do serviço. Para os participantes, essa já está instaurada há bastante tempo e é uma das linhas de trabalho da equipe ali envolvida. Contudo, destaca-se como aspecto inovador dessa metodologia, o fato de outras pessoas que não são da equipe poderem participar da discussão do caso. O olhar “de fora”, de alguém que não está envolvido no cotidiano do caso foi avaliado como um aspecto importante. Tal olhar permitiria, segundo os participantes do grupo focal, atentar para aspectos que no cotidiano não aparecem, são invisíveis, ou até mesmo passar despercebidos devido ao contato direto que se tem com o caso. Em outras palavras, a conversação clínica, com a participação de agentes externos, possibilitaria um distanciamento da prática cotidiana na condução do caso clínico.

Eu vejo que aqui no CERSAM nós já temos a prática de conversar, a gente conversa muito sobre os casos e isto faz parte já do nosso jeito de funcionar. Mas isto que veio de fora a experiência da pesquisa trouxe algo diferente ao meu vê porque tinha gente que não era do serviço que não fazia parte da equipe. (...) Uma pontuação que é diferente daquilo que a gente vem fazendo. Não no sentido que trouxe a novidade de conversar sobre o caso eu acho que para esse serviço não trouxe não. (...) A contribuição que eu acho para este modelo de conversação foi a possibilidade de ter alguém que pode escuta do lugar que não é o lugar de uma supervisão, mas do lugar de alguém que esta de fora e que vai compartilhar qual é o entendimento dele e qual é a percepção dele a partindo daquilo que a gene traz pra apresentar aqui. Porque quem traz o objeto da conversa é quem traz o caso que é o serviço localizado nos profissionais de referência do caso e a gente que está no serviço

Nessa mesma linha, foi afirmado que os casos já são discutidos pela equipe, são construídos pela mesma, mas a conversação clínica possibilita a sua reconstrução. Reconstrução essa que permite uma re-elaboração contínua sobre os problemas enfrentados e evita posturas de acomodação em relação ás formas de encaminhar os casos, abrindo espaço para o novo, para um repensar conjunto de soluções, impedindo, dessa maneira, soluções prescritas e já conhecidas. Tal percepção está de acordo com o posicionamento do coordenador da política de saúde mental do município que apresentou, como explicitado acima, a necessidade de novas posturas diante de problemas e complexidades encontradas no cotidiano dos serviços.

Eu acho que a conversação clinica foi na verdade uma possibilidade de uma reconstrução de casos. A gente trouxe casos que já estavam construídos de uma certa maneira mas sempre que voltaram foi mais uma maneira da gente ta reelaborando o caso, reconstruindo mesmo na perspectiva de encontrar novas alternativas ou até mesmo alterar a visão que a gente tinha as vezes vai perpetuando ou vai si acomodando com certa visão do caso e que essa conversação clinica nos permitiu pensar em novas alternativas. São casos muito difíceis os casos que a gente conduz.

Eu acho interessante que é conversa mesmo sobre o caso, uma postura de falar, de tronca de idéias e as três que eu participei sempre surgiu algo novo (...) coisas que estavam aí e não foram percebidas. No falar a gente tem um outro olhar e sai da mesmice do dia-a-dia de ta acostumando com algumas coisas e dizer que é assim mesmo ou isto é de fulano mesmo. Quando você começa a conversar sobre o caso com várias pessoas e a pessoa dando um sentido você sai desse lugar comum, dessa visão comum e começa a ter um novo olhar. Pra mim é isto. Eu achei muito rico conversando mesmo sobre uma pessoa.

Um aspecto importante destacado como positivo na conversação clínica se refere à construção coletiva do caso, que lança mão de diversos saberes e olhares, o que é compreendido pelos participantes do grupo focal como distinto da supervisão ou mesmo do trabalho cotidiano da equipe. Esse aspecto ressaltado é de grande relevância, pois parece apontar para os objetivos propostos pela metodologia da conversação clínica.

Eu vejo uma diferença entre a conversação e a supervisão por exemplo. Supervisão pressupõe que tem alguém que tem um saber a mais e a conversação é uma construção de saber em conjunto talvez mais livre não sei se poderia dizer assim essa construção.

Em relação à organização do trabalho mais técnico e burocrático, os participantes não percebem que a conversação clínica possa ter auxiliado nesse aspecto da instituição. Enfatizam que as relações não foram modificadas, mas as formas de intervenção no caso sim.
Destacam que embora profissionais de apoio do serviço não participem das conversações clínicas, são importantes no cotidiano de funcionamento do CERSAM. Fazem referência a um dos casos que foi discutido nas conversações, onde um dos profissionais do administrativo foi citado e considerado chave na análise do caso. Reforçam que tem uma importância no cotidiano, e alguns se manifestaram sobre a necessidade desses outros profissionais poderem participar das conversações. Expressam que uma visão leiga poderia ser importante para a condução do caso.

São discussões cotidianas conversações cotidianas a respeito dos casos. Que eu acho assim que a conversação clinica dá oportunidade de aprofundar a mais no caso e acho sim que deveria ter esforços maiores para essas pessoas estarem presentes o que não aconteceu nesses casos eu acho que seria muito facilitador e isto também traz que este colocar em um momento. Colocar qual a visão da portaria, do pessoal da copa, da limpeza que está interagido com o paciente o tempo tudo e é também equipe.

Identificam como uma das funções da conversação, assim como da supervisão, a construção de uma certa unidade na compreensão e condução do caso clínico. Tal unidade se manifestaria na linguagem e na posição diante do caso que seriam comuns. Isso é identificado como uma tentativa de não fragmentar o olhar sobre o sujeito em questão.
Identificam a psicanálise como a linguagem comum na abordagem dos casos discutidos. Fazem referência à escuta psicanalítica, bem como à abordagem teórica. Tal posicionamento parece ser um pouco contraditório em relação ao que foi dito acima acerca da pluralidade de saberes e da importância de que seja dessa maneira. Embora não existam posicionamentos teóricos diferenciados dentro do grupo, compreendem que outros saberes poderiam ser bastante positivos na condução dos casos e que nada impediria que isso acontecesse. Fazem referência à farmacêutica do serviço, que se manifesta reforçando que a psicanálise possibilita melhor compreensão sobre o caso.

Uma das participantes se posiciona com dúvidas em relação às contribuições da conversação clínica. Manifesta isso dizendo que a única diferença é que na conversação clínica há uma maior formalização na apresentação do caso, o que no cotidiano do serviço não acontece com freqüência. Manifesta que acredita que se isso fosse feito no dia a dia da equipe, as diferenças entre o que eles já fazem e a conversação clínica diminuiria bastante.

Eu não sei... Eu não tô nem falando que não tenha, eu acho que a diferença seja a formalização da apresentação que a nossa conversa cotidiana não tem essa formalização. Mas assim eu fico assim na dúvida a diferença está na conversação sabe como... Ou se a gente trouxesse essa discussão assim mais... Porque a gente em outros momentos aqui no CERSAM de discussão de casos com gente de fora e... Muita coisa que a gente não tinha pensado apareceu na nossa conversa não foi? Eu não estou dizendo nem sim e nem não. Eu tenho dúvida se trouxe alguma coisa assim uma novidade tão grande... Eu tenho dúvida se foi a conversação ou se foi o próprio formato. A gente teve há pouco tempo uma discussão aqui eu não estou lembrando mais de quem, qual usuário em que a gente fez de maneira mais sistemática que também deu uma virada assim.

Por fim fez-se referência aos registros realizados na conversação. Informam não terem tido acesso aos mesmos, mas acreditam que tal iniciativa possa ser um diferencial. Quando perguntados acerca do uso da Revista Eletrônica Clinicaps, ninguém dos presentes havia acessado a mesma até então.

3.2. Localidade: Betim/MG

Resultados

Da mesma forma como fizemos com Belo Horizonte, para fazer uma análise mais profunda da realização das conversações clínicas em Betim, é preciso compreender um pouco do histórico de implementação dessa política no município, histórico este que possui várias especificidades em relação à sua implementação e também tempo de duração, bem como os desafios contemporâneos vivenciados pela política.  Para tanto, antes de passarmos à análise do grupo focal realizado em Betim, traremos alguns aspectos da política a partir da análise da entrevista realizada com o coordenador da política de saúde mental deste município.

O entrevistado apresenta o histórico de implementação da política de saúde mental no município de Betim e relaciona tal fato a alguns aspectos, entre eles, a diminuição de internações nos hospitais psiquiátricos em Belo Horizonte.  Relata que a proposta de implantação de uma rede substitutiva em Betim começou em 1993 quando uma nova gestão assumiu a prefeitura e nesse momento fizeram um planejamento discutindo que ações deveriam ser implementadas. Reforça que a proposta era instituir CAPS com CERSAM, com serviços que pudessem ter impacto na internação psiquiátrica. Informa que naquela época, os levantamentos tinham identificado que mais ou menos 600 pessoas eram internadas por ano em Belo Horizonte. Dessa forma,  a idéia era focar na diminuição das internações nos hospitais psiquiátricos de Belo Horizonte – esse ponto era fundamental e era necessário criar uma rede que pudesse dar sustentação a isto.

Inicialmente pensou-se em criar o Centro de Referencia em Saúde Mental para a clientela adulta e infantil. O CAPS I ou CERSAM Infantil seria o primeiro CAPS Infantil do Brasil nesses moldes. Queriam, naquele momento, criar quatro equipes de saúde mental com unidade básica de saúde e estruturar o serviço de urgência psiquiátrica. Considerou-se no início, a possibilidade de criar 10 leitos de psiquiatria no hospital geral, mas considerou-se que era urgente implementar um serviço 24 horas e o município resolveu bancar a segunda proposta. Dessa forma, a hospitalidade noturna começou por volta de 1996/97 quando o CERSAM de fato começou a funcionar 24 horas. A partir daí foi possível identificar o impacto que o município tinha na redução de internações.

Relata que realizou recentemente um levantamento de todas as internações de diagnóstico psiquiátrico de 1999 a 2007, incluindo os hospitais de Belo Horizonte, hospitais psiquiátricos e eventualmente algum outro hospital geral que tenha acolhido algum morador de Betim com este diagnóstico.  Identificou que houve uma mudança drástica em relação ao perfil de internações: o ano que internou menos em Belo Horizonte foi o ano de 2002, com o número de 23 pessoas e o ano que se internou mais foi em 2006, com número de 54 pessoas. Foi possível estabelecer uma média de 12 internações por grupo de 100 mil habitantes em 98 que se manteve em 2007. Levando em consideração a correlação populacional o entrevistado destaca que houve uma mudança de 40%. Diante disso observa que existem  condições de que um serviço noturno nos CAPS, no CERSAM como foi organizado em Betim tenha impacto significativo sobre a demanda de internação.

Identifica que a inserção da saúde mental na atenção básica é um aspecto que não foi possível avançar muito em Betim, pois a atenção básica encontra-se em fase de transição. O município ainda não ampliou o programa da família. A cobertura da população está em torno de 30% e isto tem dificultado a ampliação de algumas ações. Existem outras dificuldades relacionadas aos leitos noturnos, já que a população cresceu muito. Tal fato tem apontado para a impossibilidade de se atender como se fazia antes.

Outro aspecto ressaltado se refere à forma como a própria população tem vivenciado essas questões, já que historicamente existe uma dificuldade da sociedade em lidar com o  transtorno mental. Relata que em relação aos casos mais graves, devido à existência de equipamentos diferenciados não existe a necessidade de recorrer ao hospital e isso é percebido pelo entrevistado como um avanço em relação a uma cultura não manicomial. Destaca que existem situações em que é necessário discutir com a família, conversar bastante para criar alternativas à internação, mas ainda assim identifica que houve avanços. 

Identifica que o grande diferencial dos CAPS é a possibilidade de estar mais próximo da população e buscar junto com as famílias, a sociedade, soluções para os diversos problemas enfrentados e o entrevistado tem percebido que as pessoas têm estado mais receptivas. 

Aponta que um desafio atual da política de saúde mental é que os CAPS possam trabalhar mais “para fora”, desenvolvendo projetos que extrapolem o seu espaço físico, a sua realidade de abrangência: com a rede, com o SAMU, com os hospitais de urgência, com a atenção básica, com a sociedade.   Não é o CAPS sozinho que vai reproduzir uma cultura; para o entrevistado, é importante envolver mais atores e segmentos da sociedade. Existe, segundo o entrevistado, uma tendência dos CAPS se articularem com ouras instâncias e o mesmo vê a formação como um elemento importante de unificar posturas.

Quanto à idéia de que eventualmente os CAPS possam estar reproduzindo uma lógica da hospitalização, o entrevistado discorda de tal afirmativa. Mas reforça que é fundamental repensar o serviço constantemente, mas sempre focando na idéia e fortalecimento de uma rede. Para isso é importante haver uma descentralização da política de saúde mental dos CAPS.

Destaca como dificuldades atuais, o fato de alguns serviços estarem com inchaço ambulatorial muito grande. Reforça que é necessário constituir uma rede ambulatorial ou uma reorganização com a rede básica que tenha um acesso mais facilitado à consulta. Contudo, pondera que tal prática nos CAPS cria atritos com a população que chega. Outro ponto de atrito é a organização da demanda, a forma de equacionar a questão da demanda e do acesso, problemas estes que às vezes criam estrangulamento do serviço.  Contudo, ressalta que na sua percepção, a população já reconhece o serviço como um instrumento de assistência.

Destaca que o momento que estão vivenciando em Betim se refere à necessidade de revisão da rede;  necessidade de ampliação da rede no sentido físico, do ponto de vista dos recursos humanos para poder acompanhar o crescimento populacional. Identifica que essa é uma nova demanda de saúde mental que está acontecendo. Se refere ao problema do álcool e das drogas que está grande no município, à não concretização do CAPS ad, á cobertura pequena do CAPS Citrolândia, embora tenha uma equipe completa.

Passamos agora à análise do grupo focal realizado na cidade de Betim.

Quando foi lançada a questão acerca da compreensão que os participantes tinham sobre a conversação clínica,  deu-se um grande debate em torno dessa temática. Isso porque as compreensões acerca da metodologia e de qualquer especificidade que pudesse diferenciá-la da supervisão, por exemplo, foram muito distintas, com ênfase em uma compreensão de que a conversação clínica não significa necessariamente, uma mudança metodológica ou de postura e olhar em relação aos casos clínicos discutidos. Um aspecto que nos chamou a atenção foi o fato de fazerem referência nominal aos casos discutidos, resgatando especificidades de cada um, participantes e  momento em que ocorreram.

Sobre as possíveis diferenças entre conversação e supervisão foram destacados alguns aspectos que destacamos a seguir. Foi mencionado que quem conduz o processo da conversação dirige mais atenção às falas que são proferidas sobre o caso. O que os participantes do grupo parecem identificar é que é dada importância às diversas vozes que se expressam ao longo da conversação clínica e isso é reconhecido como um elemento de grande importância.

O que eu achei interessante, uma característica da conversação é que vários atores contribuem com o caso e trazem alguma coisa: seja um relato, um relatório ou a apresentação do caso. Eu achei isto muito interessante e como a colega colocou ali isto trouxe um direcionamento do caso muito mais rico e detalhado e na supervisão isto não acontece.

Contudo, essa prática parece não ser associada somente ao espaço da conversação clínica e durante o grupo focal foram mencionadas iniciativas que aconteceram no CERSAM, com a presença de outros equipamentos como o SAMU, albergue, por exemplo. Isso é compreendido como o aspecto da intersetorialidade que reconhece autoridade em diversas pessoas e equipamentos na fala acerca do caso. Mas essa não foi uma percepção geral.

Outro aspecto ressaltado é que essas vozes que participaram da discussão sobre o caso clínico deveriam ter um coordenador que as reunisse e fizessem possíveis sínteses sobre o caso. Parece, a partir do que foi expresso pelos participantes do grupo focal, que a conversação clínica não possibilitou uma unidade sobre o caso em discussão.

Eu acho que uma coisa muito interessante são essas falas de diversos lugares sobre aquele caso. Mas uma coisa que eu senti sim: falta coordenação, falta alguém para fazer um alinhavo desses diversos depoimentos, dessas diversas colocações, dessas visões diferenciadas. Faltou isto talvez.

Ao mesmo tempo, um participante destacou que, de acordo com a sua percepção, essa era a diferença entre conversação e supervisão: a primeira não teria ninguém para alinhavar enquanto a segunda partiria desse pressuposto.

Destacou-se, portanto, que em alguns momentos os responsáveis pela condução da conversação clínica não tiveram posturas unificadas: se por um lado havia uma perspectiva de construção coletiva, em alguns momentos apresentaram sua perspectiva como “resposta final” do caso. Isso foi compreendido pelos participantes do grupo focal como algo negativo.

No caso que eu participei a da L. eu vi a diferença. A proposta da supervisão tem uma pessoa especial que conduz essa fala central, um texto, tem a questão de ouvir vários atores, tem toda uma rede de contato e senti que como eram vários atores não é supervisão. Apenas tem vários atores tem uma equipe que também vinha fazer a supervisão eu senti esta multiplicidade de atores tem esta questão. (...) eu acho que houve também um posicionamento dos coordenadores. Foram um pouco heterogêneos.... Acho que alguns conduziram de uma forma coletiva e outros se posicionaram de uma forma como supervisores mesmo. No final deram um retorno exatamente como um supervisor daria e de uma postura distanciada como a supervisão fazia etc. E até no caso especifico desta paciente eu senti que teve alguma resistência de alguma parte da equipe que tava falando, se colocando pois é um caso complicado no sentido que tava interessado em continuar naquela construção coletiva. E aquele retorno não foi bem no primeiro momento e depois a coisa até surgiu não foi uma coisa tão ruim necessariamente, mas tava caminhando para um outro lado e na hora que teve este retorno distanciado, como se fosse uma conclusão final, uma hipótese diagnóstica, uma forma de conduzir uma direção para o caso como um supervisor isto não foi bem próximo da proposta inicial. Então esta questão do heterogêneo da coordenação que eu senti.

Apontaram o caráter de levantamento de dados presente na conversação clínica. Isto é, no momento em que ela acontece, seria objetivo da proposta levantar informações de diferentes lugares para ajudar na compreensão do caso clínico. Na supervisão, esse levantamento não aconteceria, já que seu objetivo é uma reflexão sobre o caso a partir de um ponto de vista específico. Um dos aspectos que fez com que os participantes associassem a conversação clínica com supervisão foi a grande ênfase dada à definição do diagnóstico.

Outro ponto destacado se refere ao acesso a várias informações que no cotidiano de acompanhamento do caso os envolvidos não têm muito conhecimento.

(...) no caso deste morador da unidade terapêutica eu acho que foi um momento muito rico onde a gente pode conhece melhor sua história tinha coisas que a gente desconhecia e foi possível com a V. já disse como não teve imediatamente, tirar algumas conclusões. A gente teve um tempo tal e inclusive fizemos algumas intervenções no caso. E na próximo encontro a gente discutiu e foi muito positivo inclusive estas intervenções, o que foi possível fazer a partir da conversação que a gente teve no primeiro momento. 

Foi destacado que em alguns momentos as conversações aconteceram com a presença de pessoas que não conheciam o caso e tal fato foi avaliado pelos participantes dos grupos focais como um ponto negativo. Fez-se referência ao fato das conversações acontecerem no espaço das reuniões gerais.

Outra percepção sobre a conversação clínica apontou para a importância do estudo sobre o caso que não se da a partir de uma perspectiva exclusivamente clínica. Foi destacada a importância da rede o que daria um viés também institucional para a compreensão do caso clínico.

Essa seria a característica mais nitidamente diferenciadora em relação a supervisão. Pois geralmente na supervisão falta muito o estudo do caso. Estuda o caso em uma perspectiva especifica clínica. Parece que a conversação do caso é uma coisa que envolve toda uma rede onde este sujeito que ta sendo assistido, ta envolvido e ta circulando.

Um dos participantes dirá que a conversação clínica é uma metodologia vinculada à coleta de dados de uma pesquisa. Dirá que não tiveram informações sobre isso e que não houve um retorno para esclarecimento.

O que percebi nas conversações é que foi uma coleta de dados acerca de um tema que era, no caso, mais para algo que foi a pesquisa do que propriamente o que uma supervisão faz que é um compromisso com a condução do caso a partir de alguma questão. O que marca a característica maior é esta: o que a supervisão traz é um posicionamento, um reposicionamento da equipe em função de alguma questão que no caso clinico traz. O compromisso da supervisão é em cima do caso, em alguma questão que o caso traz. E aí eu percebo muito mais uma coleta de dados, o retorno posterior nem sempre era direcionado. Eu acho que teve diferença nesse sentido eu percebi mesmo uma coleta de dados, aquele grupo tava colendo dados para uma pesquisa de fim deles e nós não sabemos qual foi o retorno.

Sobre o tema acima mencionado, fez-se uma ponderação que identificou na equipe que conduziu a conversação clínica posturas de coleta de dados e posturas de supervisão. 

Também foram muito diversas as compreensões sobre a prevalência de algum profissional ou área de conhecimento na conversação clínica. Alguns manifestaram que há um predomínio, associado à competência, dos olhares de psicólogos e psiquiatras, enquanto outros manifestaram que todos teriam capacidade de falar do caso discutido com legitimidade. Outros dirão ainda que alguns profissionais ficaram inibidos durante a conversação clínica. Isso foi associado à prevalência de uma linguagem mais psicanalítica.

Destacou-se a importância de profissionais compreendidos como sendo “de fora”.

(...) eu acho também que tem um olhar de fora que fala às vezes de algumas coisas que a gente que ta aqui no dia-a-dia no cotidiano não percebe. Então assim se parece muito com essa discussão de caso que a gente tem aqui internamente, mas tendo um de fora além de organizar traz uma contribuição de um olhar de fora sobre algumas coisas que passam meio batido no cotidiano nosso e é isto que eu acho que contribui.

Por fim, houve referência ao suporte da internet como um elemento que caracteriza a conversação clínica.

Eu queria localizar um outro diferencial também que é a conversação ter um suporte na internet. Havia lá uma página aonde você poderia mediante um cadastro colocar impressões, ou seja, um suporte virtual que permitiria que outras considerações exatamente que escaparam no momento coletivo pudessem ser apresentadas. Então eu acho que isto também é um diferencial que este modelo da conversação trouxe.

3.3. Localidade: Buritizeiros/MG

Aspectos Metodológicos

O grupo focal foi agendado por telefone, juntamente com a coordenadora da política de saúde mental do município, com 15 dias de antecedência. Foram enviadas as cartas convites e assinados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi realizado no dia 20 de Janeiro de 2009, pela manhã. O Grupo focal contou com a participação de 10 profissionais, sendo que três deles mantiveram-se como observadores, já que não participaram de nenhuma conversação realizada no serviço. O grupo teve uma duração de 40 minutos e foi realizado durante o expediente do CAPS. Dentre os 07 participantes ativos estavam a coordenadora do CAPS (terapeuta ocupacional), 01 técnica de enfermagem, 01 motorista, 01 enfermeira (que no momento das conversações era técnica do serviço e atualmente está na coordenação da política de saúde do município), 01 cuidadora e 02 psicólogas, sendo que uma delas está na coordenação da política de saúde mental de Buritizeiro.

A equipe manteve-se bastante amistosa durante a realização do grupo focal e a maior parte dos participantes falou pouco. O grupo debateu pouco as questões propostas pelo moderadores e as respostas eram dadas, muitas vezes, em caráter de afirmação ou negação, com escassez de contraposições e argumentos. Observou-se pouca discordância entre as opiniões e posições dos integrantes.

Uma das participantes, com função de coordenação, posicionou-se bastante e assumiu as falas no grupo, em grande parte das questões levantadas pelo moderador. Especialmente neste município, observou-se a presença de três profissionais com função política de viés institucional, de forma mais concreta.

Os participantes pareceram ter vínculos bem estreitos entre si, e alguns deles já trabalham juntos no serviço há mais de cinco anos.

Resultados

Os participantes demonstraram ter pouco conhecimento sistematizado acerca das conversações clínicas. Poucos conseguiram associar o nome da metodologia à atividade desenvolvida. Alguns deles sabiam da existência da pesquisa, mas não conseguiram fazer nenhuma associação a quaisquer outras informações.

As definições que surgiram para a conversação clínica estão relacionadas com o entendimento do caso clínico ou com a avaliação desse caso:

Eu acho que é a discussão aprofundada do caso, suposições relacionadas à teoria... será que é?, será que não é?, Por que ele tá assim, o que levou a buscar a origem e entender mais o paciente...

Eu acho que é avaliar a conduta do paciente.

Os participantes afirmaram que não possuíam espaço formal para a discussão dos casos acompanhados pelo serviço. Afirmam também que essas discussões aconteciam muitas vezes pelos corredores ou em encontros de duas ou mais pessoas da equipe no expediente de trabalho. Os participantes afirmam que a conversação clínica subsidiou a existência de um espaço formal de discussão dos casos, com a participação de toda a equipe.

Nossa discussão era tão superficial a gente pegava o caso e discutia o que tava acontecendo só naquele momento. E acontecia muito na troca de plantão e nos corredores.

Alguns participantes apontam a condução das conversações como um elemento importante. Para eles, a presença de um interventor externo trouxe várias contribuições para o entendimento dos casos discutidos e para a forma como o serviço vinha conduzindo o projeto terapêutico do usuário.

A participação de todos da equipe durante as conversações também foi um aspecto positivo salientado pelo grupo. Alguns participantes afirmam que a conversação possibilitou a contribuição de cada integrante da equipe, que se comprometeu de forma diferenciada na condução do caso. O fortalecimento da equipe também foi citado como contribuição advinda das conversações.

...Começamos a perceber um monte de coisa que não percebíamos. Cada profissional falou algo e a gente conseguiu entender porque que acontece[...]

A interação entre a equipe mudou após as conversações clínicas. Os participantes afirmam que conseguem se comunicar melhor entre si e trocam informações e opiniões acerca dos casos, com mais intensidade. Segundo um dos participantes, algumas pessoas que tinham dificuldade em dar suas opiniões, as reportam com mais facilidade aos colegas de trabalho.

Tem muita coisa que a gente ouve que os técnicos às vezes não sabem... e a gente tem liberdade de passar isto para os técnicos.

Obtivemos poucas informações específicas acerca do impacto das conversações sobre a compreensão do caso clínico.. Os participantes apontaram impactos e contribuições, geralmente relacionadas com o modelo de discussão de casos realizado no serviço e com a organização do trabalho em torno do projeto terapêutico (relação da equipe, tomadas de decisão, fluxos, procedimentos).

A participação de técnicos de outros serviços nas conversações foi mencionada pelos participantes. Contudo, eles não associaram tal participação a uma especificidade da conversação clínica, mas a uma diretriz da política adotada no município. Uma enfermeira da saúde básica foi convidada a participar de uma das conversações, mas não compareceu. Os participantes afirmam que a articulação com outros serviços da rede já acontecia, antes mesmo da experiência das conversações.

O paciente na realidade é da atenção primaria, a responsabilidade do paciente é da atenção primária [...] por isto que o PSF entrou.

Os participantes afirmam que as conversações trouxeram contribuições para a relação com a família do usuário. Um dos participantes disse que, após a discussão de um dos casos, a equipe percebeu que o projeto terapêutico deveria atingir também os familiares do usuário. Os participantes não apresentaram muitos argumentos para essa afirmação, atendo-se apenas a afirmar que existiram contribuições na relação do serviço com a família.

Dois participantes acreditam que a conversação clínica não privilegia nenhum saber, experiência ou abordagem. Eles argumentam que na equipe, ninguém sabe mais que ninguém e que as pessoas participaram das discussões, independente da abordagem teórica ou da categoria profissional que representam. O restante do grupo não se manifestou em relação a essa questão.

Aqui mesmo antes nunca teve um saber maior. Aqui todo mundo sempre contribuiu

...Com certeza. A conversação clinica não privilegia nenhum saber.

Percebemos durante o grupo focal que as falas ficaram bastante centralizadas numa profissional com função de coordenação. Alguns participantes, especialmente os de nível médio, mantiveram-se amistosos em relação ao debate. Essa postura não condiz com as afirmações de que as participações nas conversações foram democráticas e horizontais, ainda que tais posturas possam estar relacionadas com o caráter investigativo do encontro e com a presença de um número significativo de profissionais envolvidos com a coordenação técnica e política do serviço.

Os participantes frisaram bastante o aspecto organizacional que as conversações apresentaram para o serviço. A existência de um espaço formal de discussão clínica e a construção coletiva do projeto terapêutico do usuário possibilitou uma reorganização da equipe frente ao caso. Como a equipe não havia adotado nenhuma metodologia de discussão de casos no serviço, a conversação clínica apresentou impacto significativo no CAPS de Buritizeiros. As conversações possibilitaram à equipe, pela primeira vez, sistematizar os conhecimentos, formais e informais, técnicos ou não, num espaço de discussão e reflexão coletiva.

Os participantes apresentaram como principais dificuldades para a consolidação das conversações o fechamento do serviço para a realização dos encontros e a dificuldade em encontrar uma agenda comum entre a equipe.

Eu acho que [um aspecto negativo] foi parar o serviço e reunir todos os profissionais. Eu acho complicado parar o serviço. As pessoas muita das vezes não entendem porque o serviço parou.

Mas pelo menos deu outra visão para gente da aonde a gente ta falhando.

3.4. Localidade: Governador Valadares/MG

Aspectos Metodológicos

O grupo focal foi agendado por telefone, juntamente com uma técnica do serviço devido à mudança da coordenadora da política de saúde mental do município, com 15 dias de antecedência. Foram enviadas as cartas convites e assinados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi realizado no dia 28 de janeiro de 2009, às 14:30, no próprio CAPS de Governador Valadares. O grupo focal contou com participação de 08 profissionais. O grupo teve duração de 01 hora. Dentre os participantes, obtivemos 05 psicólogos, sendo que 02 delas (no momento das conversações eram técnicas do serviço e atualmente são técnicas do CAPSad), 01 assistente social, 01 terapeuta ocupacional e 01 farmacêutica.

Devido à acústica do lugar onde foi realizado o grupo a gravação não ficou com qualidade desejável, proporcionando perda de algumas informações.
Todos os participantes deram contribuições no grupo focal e apresentaram poucos pontos de discordância, aparentando coerência entre suas opiniões e colocações. 

A coordenadora do serviço não participou do grupo. Recebeu a equipe de pesquisa e apresentou o espaço físico do serviço. A mesma está na coordenação do serviço recentemente e não participou das conversações clínicas.

Resultados

Os participantes têm conhecimento da existência da pesquisa e associaram as conversações clínicas a uma de suas atividades. Contudo, demonstraram ter poucos conhecimentos sobre a conversação clínica e seus fundamentos. Uma técnica apresentou dúvida entre a conversação clinica e a supervisão clinica ministrada pelo Ministério da Saúde uma vez que as duas aconteceram na mesma época.
As definições que surgiram para a conversação clínica estão relacionadas com o entendimento do caso clínico ou com a avaliação desse caso:

É falar sobre um caso clinico discutir o caso clinico é colher dados do paciente.

Conversar, discutir sobre os casos clínicos aprofundar na discussão a partir da história de vida do sujeito, do paciente.

Os participantes afirmaram que as discussões dos casos acompanhados pelo serviço acontecem geralmente nas reuniões de equipe, mas salientam que tais discussões acontecem de uma forma bem informal onde cada profissional relata o seu ponto de vista sobre o caso. Relatam que essas reuniões ficam presas a assuntos administrativos, na maioria das vezes. Afirmam também que essas discussões aconteciam muitas vezes pelos corredores ou em encontros de duas ou mais pessoas da equipe no expediente de trabalho.

Os participantes afirmam que a conversação clínica subsidiou a consolidação de um espaço formal de discussão dos casos, com a participação de toda a equipe e manifestaram o desejo de institucionalizar esse espaço de discussão no serviço. Relatam que devido à mudança de coordenação, as reuniões semanais foram suspensas temporariamente, e quando retornarem tem como objetivo utilizar a conversação clínica como modelo de discussão de casos.

A participação de todos da equipe durante as conversações foi um aspecto salientado no grupo. Alguns participantes afirmam que a conversação possibilitou a contribuição de cada integrante da equipe, que se comprometeu de forma diferenciada na condução do caso. Os participantes afirmam que  anteriormente essa participação não era possível pela falta de tempo oriunda do grande número de demandas que o serviço recebe, especialmente as demandas administrativas e gerenciais.

Muitas vezes vê o ponto de vista do colega como a D. colocou é complicado... o serviço tem muita demanda e as vezes a gente se fecha muito com uma falta de tempo, de chegar todo mundo e conversar, e as vezes a gente tem quer resolver tudo sozinho... e quando a gente traz o caso para todo mundo a gente acaba dividindo isto um pouco, a gente dilui o caso, dilui um pouco a responsabilidade, dilui os pensamentos em relação aquilo que está acontecendo, a gente acaba ajudando um ao outro contribuindo muito.

Os participantes afirmam que as discussões que realizaram nas conversações os ajudaram muito a compreender melhor os casos discutidos, compreender a história do paciente. Tal fato foi possível com a sistematização do caso. As discussões de casos anteriormente eram muito fragmentadas e muitas informações sobre o caso se perdiam. Assim, com a sistematização do caso e com a coleta de informações sobre sua trajetória institucional, as conversações contribuíram para uma melhor compreensão dos casos discutidos e uma mudança na conduta institucional, na elaboração de seu projeto terapêutico.

[...] às vezes nessa conversa a gente detecta algum furo na conduta de algum profissional acredito que a gente discutia a posição de forma de trabalhar a pessoa naquela função e de repente é colocar uma possível mudança [...]

Segundo os participantes as conversações clínicas proporcionaram uma reflexão sobre a prática de cada profissional no cotidiano do serviço. Tal fato possibilitou a identificação de alguns estrangulamentos relacionados com a conduta profissional de cada técnico e com o próprio serviço. Um dos profissionais cita como exemplo a falta de capacitação de alguns profissionais, que apresentam uma postura preconceituosa em relação ao usuário do serviço.

Uma outra coisa também a falta de capacitação para a equipe e muitas das vezes alguns profissionais da equipe não entendem o paciente e agem de forma preconceituosa.

Outro aspecto salientado pelos participantes e associado às dificuldades para concretizar os objetivos da conversação clínica foi a pouca identificação de alguns profissionais com a área de saúde mental. Os participantes citam também a falta de estrutura do serviço como elemento dificultador para a garantia da qualidade das conversações clínicas. Mencionaram como exemplo, a falta de transporte que dificulta a ida do usuário para o serviço, interferindo assim na eficácia de seu projeto terapêutico.

Todos os participantes do grupo focal possuem nível superior. Segundo eles, alguns profissionais de nível médio e fundamental participaram das conversações, ainda que apenas como observadores. Eles afirmam que a participação destes profissionais é de suma importância para a compreensão do caso clinico, devido aos vínculos que são estabelecidos entre estes profissionais e os usuários. O grupo acredita que falta um envolvimento destes profissionais com o serviço.

Eu acho que é a falta de interesse de alguns profissionais... acaba que os técnicos envolvem mais que os outros profissionais... é uma falta de interesse mesmo.

No dia eu lembro deles terem dando contribuição, ficaram mais observando... contribui... eles vão contribuir, muito depois que eles começam a dizer como é a realidade... acredito, eu acredito que eles têm muita coisa boa, mas no dia ficaram mais observando mesmo.

Os participantes afirmaram que nas conversações clinicas não convidaram profissionais de outras instituições. Segundo eles, estavam presentes nas conversações apenas os profissionais do serviço. Mas salientam a importância da presença de profissionais de outros serviços, fato que está acontecendo nas supervisões clínicas.

 Eu acho importante porque [...] falta informação o que é a saúde mental. [...] é importante envolver todos os atores da rede.

[...]   melhorou demais o vínculo com as outras instituições até o paciente que é encaminhado já está mais direcionado realmente no serviço. Ele entende melhor a demanda [...] não é todos não que estão conscientes e absorveram tudo não, mas está bem mais direcionado. E as outras instituições já conhecem o serviço acredito que está mais estreita essa relação.

Ainda que essa experiência intersetorial tenha sido citada como quesito importante para uma boa discussão de casos, essa consciência não é associada às conversações clínicas, mas ao processo de supervisão que recebem do Ministério da Saúde e da política do município.

O grupo aponta a psicanálise como uma abordagem que é privilegiada nas conversações clínicas. Os participantes dizem que a psicanálise é a abordagem teórica que norteou as conversações. Os participantes de outras abordagens teóricas reconhecem a psicanálise como abordagem privilegiada, mas afirmam que isso não inviabiliza suas participações e contribuições. A partir das informações coletas no grupo, percebemos que existe uma hegemonia do saber técnico-científico nas discussões da equipe.

Eu não sou psicanalista não, mas eu acho que privilegia [...] eu não me senti excluída da discussão, mas acho que privilegia.

Privilegia a psicanálise, mas encontrei espaço para expor meu ponto de vista que é comportamental.

Os participantes afirmam que as conversações possibilitaram detectar algumas dificuldades como a falta de organização da equipe em realizar discussões sobre os casos. A principal dificuldade apresentada pelo grupo foi o trabalho em equipe. Segundo eles as conversações potencializaram o trabalho coletivo e que isso, muitas vezes, apresenta limites e dificuldades para o serviço. Outra dificuldade apresentada pelo grupo foi a sensibilização dos profissionais médicos pára a importância das discussões de caso. Os psiquiatras do serviço não estiveram presentes em nenhuma conversação e nem no grupo focal de avaliação.

A organização da equipe em todas as discussões de caso... a gente não para devido a demanda excessiva que faz que a gente não compartilha as questões, não compartilha o caso. A dificuldade de trabalhar com equipe, a equipe tem muito isto o caso é meu, eu conduzo. Eu acho que a conversação apontou isto... uma melhor organização, um maior trabalho de equipe.

[...] eu sinto esta falta de discussão de caso, temos muitas dificuldades no dia-a-dia.

Os médicos psiquiatras nunca participam de nada, nem das reuniões de equipe é preciso uma melhor organização da equipe como diz a R.

3.5. Localidade: Perdões/MG

Aspectos Metodológicos

O grupo focal foi agendado por telefone, juntamente com o coordenador da política de saúde mental do município, com 20 dias de antecedência. Foram enviadas as cartas convites e assinados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi realizado no dia 30 de janeiro de 2009, às 09:00 h, no expediente do CAPS. O Grupo focal contou com a participação de 08 profissionais. O grupo teve uma duração de 52 minutos. Dentre os participantes, obtivemos 05 psicólogas (sendo que uma delas está na coordenação da política de saúde de mental do município e na coordenação do CAPS), 01 técnico de enfermagem, 01 auxiliar de enfermagem e 01 enfermeira.

Quase todos os participantes deram contribuições no grupo focal, sendo que uma das profissionais optou por não se manifestar no grupo. Alguns debates aconteceram, com a presença de argumentos e reflexões. O grupo demonstrou poucos pontos de discordância, aparentando coerência entre suas opiniões e colocações.

Apesar da contribuição de todos, percebemos que a coordenação do CAPS e a equipe técnica de nível superior manifestaram-se mais que os outros participantes.

A maioria dos integrantes da equipe reside no município de Perdões, com exceção de duas que moram em Lavras. A equipe, no geral, possui mais de 02 anos de atuação no serviço.

Neste município, um dos usuários que foi objeto das conversações clínicas manifestou interesse em participar do grupo focal. Por questões metodológicas, acreditamos que sua participação poderia prejudicar o caráter avaliativo da atividade e decidimos, juntamente com a equipe, não acatar o desejo do usuário.

Resultados

Os participantes demonstraram ter pouco conhecimento sistematizado acerca das conversações. Poucos conseguiram associar o nome da metodologia à atividade desenvolvida. Alguns deles sabiam da existência da pesquisa, mas não conseguiram fazer nenhuma associação a quaisquer outras informações.

As definições que surgiram para a conversação clínica estão relacionadas com a resolução de problemas vivenciados no serviço e com a compreensão sistematizada de casos que apresentam dificuldades de condução.

[...] é discutir na reunião clinica assim os problemas do dia-a-dia. É uma maneira da a gente passar o que acontece no nosso serviço e conhecer também o que acontece no serviço de outros lugares [...] e a gente discuti também o que deve ser feito, como está sendo feito o meu modo de pensar é este.

É também o aprofundamento do caso também articular teoria e clinica no dia-a-dia aprofundando, e isto está na visão de outras pessoas, reunindo a opinião de outras pessoas, uma avaliação que vem de fora [...] Então na conversação a gente vai tentar levantar dados bem relevantes da história clinica do paciente e articular teoria com a prática.

O grupo afirmou que possui um espaço já consolidado para discussões de casos. Ele ocorre numa periodicidade semanal e, apesar de absorver demandas administrativas e gerenciais, possui objetivo específico de discutir os casos do serviço. Segundo os participantes, essas discussões semanais já acontecem há muitos anos, desde o início da implementação do serviço no município. Durante parte do grupo focal, os participantes manifestaram suas impressões em relação à conversação clínica, buscando compará-la com o modelo de discussão que possuíam no serviço.

A maioria dos participantes teve dificuldades para encontrar diferenças entre a conversação clínica e o modelo de discussão que a equipe adotou anteriormente. Eles apresentam uma série de aspectos positivos percebidos nas conversações realizadas, mas não associam esses aspectos à conversações em si, mas ao método que eles já adotavam para as discussões. Para eles, as principais diferenças percebidas são o exercício da escrita, que visou sistematizar a trajetória do caso clínico desde o início dos atendimentos na rede do município; a presença de um interventor externo, que contribuiu para a equipe localizar falhas, posturas e condutas que não deveriam ser adotadas, assim como os potenciais do serviço e da equipe; e a utilização e disponibilização das produções da equipe em ambiente virtual, para acesso de outros serviços.

Tem a questão do olhar do outro, de um suposto saber, olhar daquele que está de fora.

[...] Isto inclui. Eu acho que é a principal o ato de escrever.

Diferente da que a gente vai ter no cotidiano, ela é voltada pra outros pra outros lugares. Então isto diferencia sim.

A equipe tentou justificar a escassez de diferenças entre a conversação clínica e o método de discussão de casos adotado no serviço nas orientações a que o CAPS do município se submete. Segundo alguns participantes, todos os princípios que fundamentam as conversações e o trabalho do CAPS de Perdões já constam nos documentos oficiais que regulamentam a política de saúde mental do país e o que a equipe faz é apenas colocá-los em prática.

Foi muito claro na portaria do ministério, na própria portaria do CAPS [...] a própria lei 10.216 ensina a gente a trabalhar de uma maneira intersetorial, de uma maneira interdisciplinar ela mostra os caminhos então a gente já vem trabalhando nessa diretriz do ministério, da reforma psiquiátrica também, da luta anti-manicomial que já mostra e dá este norte como projeto terapêutico, do técnico de referencia, da equipe, da construção coletiva, da inclusão da comunidade...

A gente não fez nada demais, a gente só seguiu os princípios da reforma psiquiátrica assim fomos bons alunos e fizemos as coisas nos princípios da reforma.

Os participantes citam uma série de contribuições advindas do espaço de discussão de casos, inclusive os que aconteceram no modelo das conversações, ainda que não associem essas contribuições às conversações clínicas. Uma delas está relacionada com a compreensão do caso clínico. Segundo os participantes, o exercício da reflexão coletiva dos casos proporciona à equipe uma melhor compreensão dos casos estudados e, conseqüentemente, reposiciona a equipe diante desse caso. Alguns participantes afirmam que as decisões tomadas pela equipe a partir das discussões de caso permitem uma apropriação dos procedimentos e condutas que devem ser realizadas, dando a cada profissional, maior segurança do trabalho realizado. Eles afirmam também que o usuário, após ser objeto de discussão, passa a ser visto pela equipe de forma diferenciada, como o protagonista de seu projeto terapêutico.

Para mim foi este olhar isento de juízo de valor dessa escuta crítica que fez a gente pensar a prática a partir de um olhar psicanalítico... A partir uma visão que vem contribuir para cada vez mais olhar o sujeito aqui dentro é o que a gente busca todos os dias, olhar quem está aqui como sujeito de direitos.

Eu acho que é compartilhar os saberes e o dia-a-dia às vezes não permite a gente parar um pouco mais, a gente parar, a gente pensa, a gente reflete, mas quando a gente ta sentada com pessoas fora daqui, pessoas que querem contribuir de alguma maneira com o coletivo e para gente compartilhar e para a gente entender.

Os participantes afirmam também que o espaço de discussão coletiva proporciona a participação e contribuição de todos os profissionais da equipe. No grupo focal, quase todos os profissionais presentes são de nível superior. Eles afirmam que os outros profissionais foram convidados, mas não puderam participar. As duas profissionais de nível médio que estavam no grupo mantiveram-se em postura amistosa, e falaram pouco. O que se percebe é uma prevalência do saber técnico-científico, tanto nas discussões dos casos, quanto no grupo focal, que pareceu inibir tais profissionais.

A equipe afirma também que a psicanálise é a abordagem teórica privilegiada nas discussões de casos clínicos. Para os participantes, a psicanálise é um norte teórico que guia a equipe nas discussões, condutas e deliberações. Apesar de toda a equipe reconhecer esse fato, não o vê negativamente. Eles afirmam que ter a psicanálise como orientação privilegiada não inviabiliza a participação de profissionais que não dominam essa abordagem ou que possuem outros vieses teóricos. Vale lembrar que o grupo focal contou, basicamente, com profissionais da psicologia o que, pelas informações coletas, verificou-se também nas conversações clínicas.

Tem a psicanálise porque a psicanálise dá uma base, um norte teórico mesmo para a nossa prática. A saúde mental é muito ampla ela é o intercruzamento de várias teorias desde as teorias sociais até a psicofarmacologia, a psicanálise, as ciências políticas, as ciências sociais, a [...] então a saúde mental é intercruzamento de várias áreas e psicanálise contribui muito porque ela norteia.

[...] sempre que vamos trabalhar um termo escolhemos um texto psicanalítico.

O C., nosso porteiro, por exemplo, contribui muito, o pessoal da limpeza contribui muito, o acompanhante terapêutico no caso do D,. do primeiro caso, contribui muito... então independe...[da abordagem].

Além dos técnicos da equipe do CAPS, participaram também das conversações clínicas outros representantes de serviços e organismos do município.  A equipe referencia essa prática como essencial para a construção de um projeto terapêutico eficaz, ainda que não faça referência dessa diretriz às conversações clínicas. Percebemos com as informações dadas pelos participantes que existe um esforço do serviço em promover debates e discussões intersetoriais.

No primeiro momento no caso especifico teve vários outros parceiros, a rede de atenção como, por exemplo, a APAE é um caso de um menino o Diego e todas as pessoas que estavam envolvidas no caso articulado no projeto terapêutico dele vieram participar. Então veio a APAE, veio uma creche que ele freqüenta, veio o conselho tutelar porque é menor, a família.

É interessante que no segundo caso na verdade foi o fragmento do caso porque foi um caso... um outro tipo de caso de um paciente que é usuário de drogas abusivo e estava nos problemas aqui, na rede, na comunidade etc. Então vieram outros atores... nesse caso veio até o juiz da cidade, ele veio na reunião porque foi um dos parceiros do projeto nosso terapêutico. Então todos envolvidos vieram o conselho tutelar também porque é um menor todos os envolvidos vieram nessa conversação clinica além do pessoal do CERSAM porque aqui hoje só tem o pessoal do CERSAM.

O grupo afirmou também que o processo da pesquisa CLINICAPS motivou muito a equipe em seus trabalhos. Segundo os participantes, a presença de alguém de fora e o incentivo à sistematização escrita do caso possibilitou a equipe repensar sua postura no serviço e buscar formas diferentes construir o caso clínico e intervir nele. A sistematização escrita foi citada tanto como elemento positivo, quanto como dificultador já que, segundo alguns participantes, possuem dificuldades para escrever e sistematizar o que pensam e refletem.

Outra contribuição importante é parar para escrever o caso, de parar para construir coletivamente aquele caso. As vezes o serviço de saúde mental as coisas vão acontecendo assim muito rápido e a gente tem este momento de discussão clinica,  de reunião mas nunca assim teve uma pesquisa, uma coisa assim mais estruturada que veio para saber realmente o que a gente pensar, as direções que a gente está tomando no trabalho.

Outra contribuição é o incentivo mesmo de saber que a gente está trabalhando na direção certa [...] o reconhecimento de quem de fora vem reforçar

3.6.  Localidade: Santos Dumont/MG

Aspectos Metodológicos

O grupo focal foi agendado por telefone, juntamente com o coordenador da política de saúde mental do município, com 15 dias de antecedência. Foram enviadas as cartas convites e assinados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido. Foi realizado no dia 17 de Dezembro de 2008, às 18:00, em espaço privado, localizado em Juiz de Fora. O Grupo focal contou com a participação de 09 profissionais. O grupo teve uma duração de 53 minutos. Dentre os participantes, obtivemos 03 psicólogos (sendo que um deles está na coordenação da política de saúde de mental do município e na coordenação do CAPS), 01 técnico de enfermagem, 01 motorista, 02 enfermeiras, 01 recepcionista e 01 copeira.

A equipe da pesquisa esteve com os participantes do grupo focal algumas horas antes de sua realização, o que permitiu uma pequena aproximação entre essas partes. Quase todos os participantes deram contribuições no grupo focal e notamos que o coordenador do CAPS buscou incentivar e motivar a fala de todos no grupo. Alguns debates aconteceram, com a presença de argumentos e reflexões. O grupo demonstrou poucos pontos de discordância, aparentando coerência entre suas opiniões e colocações.

Apesar da contribuição de todos, percebemos que a coordenação do CAPS e a equipe técnica de nível superior manifestaram-se mais que os outros participantes.
A equipe do CAPS de Santos Dumont, desde o início das atividades do serviço recebe supervisão clínica. Por um período de tempo, essa supervisão foi coordenada por um dos membros da equipe central da CLINICAPS (Wellerson Alkmim). O Coordenador do CAPS, ao se posicionar no grupo focal, apresentou argumentos e fundamentos similares aos apresentados no corpo teórico desta pesquisa. Ele demonstrou ter profundos conhecimentos acerca da pesquisa CLINICAPS e de sua proposta.

Alguns dos participantes residem no município de Santos Dumont, outros moram em Juiz de Fora. A maioria deles está no serviço há mais de 02 anos.

Resultados

Os participantes têm conhecimento da existência da pesquisa e associaram as conversações clínicas a uma de suas atividades. Os participantes conhecem bastante alguns membros da equipe de pesquisa, especialmente Wellerson Alkmim, e várias vezes fizeram referência aos mesmos. Com exceção do coordenador e de uma psicóloga, o restante da equipe soube dar poucas informações específicas sobre a pesquisa, sua metodologia, objetivos, etc.

As definições que surgiram para a conversação clínica estão relacionadas com o entendimento do caso clínico ou com a avaliação desse caso:

Foi a construção de um caso clinico do paciente com o objetivo de saber o objetivo do tratamento, a conduta.

[...] discutir o caso clínico e definir uma direção terapêutica.

[...] trabalhar os impasses dos casos, daqueles mais complexos, tenta  tirar um certo norte que possa através de  casos mais paradigmáticos orientar  também a condução  institucional diante de outros casos.

Tinha momentos na supervisão... a sensação que eu tinha que estamos montando um quebra-cabeça e cada um vinha com uma peçinha.

Segundo os participantes, as discussões de casos são uma prática antiga e rotineira no serviço e acontecem em modelo de supervisão ou durante as reuniões de equipe. Durante parte do grupo focal, os participantes manifestaram suas impressões em relação à conversação clínica, buscando compará-la com o modelo de discussão que possuíam no serviço.

A maioria dos participantes teve dificuldades para encontrar diferenças entre a conversação clínica e o modelo de discussão que a equipe adotou anteriormente. Eles apresentam uma série de aspectos positivos percebidos nas conversações realizadas, mas não associam esses aspectos às conversações em si, mas ao método que eles já adotavam para as discussões.

Um dos argumentos apresentados para justificar a ausência de diferenças entre esses métodos foi a relação já estabelecida com um dos membros da equipe central da CLINICAPS, que já desenvolveu supervisões clínicas com a equipe. Possivelmente, as supervisões clínicas oferecidas à equipe foram realizadas no modelo das conversações clínicas, e seus fundamentos foram incorporados na metodologia de discussão de casos adotada pela equipe.

Eu penso que pelo fato da gente ter uma transferência do trabalho, que já tinha sido instaurando antes, no inicio da conversação com o Léo... e depois também, além da conversação clinica, a gente manteve a supervisão a partir do edital do CAPS... as supervisões dos CAPS. Eu não sei mas tive a impressão que a conversação foi muito parecida da forma que era conduzida a supervisão por ele. A forma continua mesmo não vinculada à conversação. Na supervisão e na conversação eu não vi muito diferença não.

Eu acho que para gente, a gente já conhecia o Léo, foi muito tranqüilo... pelo menos eu tive a impressão que foi uma supervisão como as outras que a gente já teve.

Eu particularmente acho que ela trouxe muitas contribuições tal qual a supervisão eu não to vendo essa diferenciação. A conversão clinica teve os efeitos que a supervisão traz, funcionou na forma que a supervisão funciona. Já tínhamos supervisão antes e continuou depois... para mim não foi um processo novo.

Na verdade quanto o CAPS foi montando em 2000 a gente sempre trabalhou com supervisão, a gente passou um ano ou dois anos sem antes da volta do Léo, mas deu do inicio a gente tinha uma pratica de conversar de ter supervisão. As supervisões eram muito parecidas com a forma que o Léo trabalhou porque tem uma orientação psicanalista.

A conversação foi a inauguração da volta da supervisão... ele aconteceu antes do inicio das supervisões via ministério... foi o primeiro momento e logo depois a gente conseguiu aprovar o projeto com o ministério e então teve uma seqüência de supervisões... continuou as conversações vamos dizer assim

Os participantes afirmam que as discussões que realizaram nas conversações os ajudaram muito a compreender melhor os casos discutidos. Essas discussões foram importantes para conhecer aspectos do usuário que não eram compartilhados por todos e para a construção de um olhar diferenciado da equipe sobre o caso. A partir dessa compreensão, os participantes disseram que a conduta com o paciente mudou. Mudou também a forma como cada um da equipe via o usuário e se relacionava com ele. Outra contribuição apresentada pelos participantes foi a utilização do aprendizado adquirido na discussão de um caso, que passou a ser incorporado na conduta com outros pacientes, e na discussão de outros casos.

Eu acho o seguinte que foi a gente entender o paciente mais, a gente colocar no lugar do paciente, a gente ouvir mais o paciente. As vezes quando a gente se incomodava com o caso a gente tinha medo e foi aonde que a gente começou através desse paciente que foi um aprendizado muito grande para a equipe a gente passou a trabalhar melhor e talvez foi até por isto que também que rompemos as internações através dessa primeira vez que nós trabalhamos assim

Depois a gente começou a fazer a reunião em equipe e foi melhorando para gente até para trabalhar o objetivo ficou mais fácil.     A gente chegava no serviço já sabia mais ou menos o paciente que tava entrando em crise, a gente passou a prestar mais atenção nos pacientes que começou a mudar, as vezes ele tava estabilizado mas começava a mudar a gente já dava conta porque a conversação que a gente deve através da supervisão e começamos a observar mais os outros pacientes também não só o que foi falando no caso e outros começou a ficar mais fácil de agente trabalha

Eu acho que a gente conseguiu vê-lo de uma outra forma que a gente não tinha percebido antes

O que acontecia eu sou o motorista e eu vou lá pegar o D. e trago o D. para CAPS e ele não era ouvido, não era atendido [...] o paciente ficava aí sem atendimento. E depois quando teve a supervisão foi exatamente quando começou a mudar, a prestar a atenção no D. e foi exatamente aí que começou a ter um atendimento diferenciado, todo mundo em cima trabalhando e antes você botava o paciente lá ele ficava sentado e os próprios pacientes ficavam com medo dele [...] ele passou a ser uma pessoa importante e foi assim que o caso foi melhorando rápido.

Eu mesmo interferi no caso  si acontece alguma coisa fulano vem aqui o que esta acontecendo e não espera o D, a R. chegar... a gente procura saber o que esta acontecendo com ele, nós somos o primeiro que chegamos de manhã e que dia que eles já estão ali. Então a gente começa a conversa já vai acalmando e quando a equipe chega a gente já passa.

Alguns participantes apontam a condução das conversações como um elemento importante. Para eles, a presença de um interventor externo trouxe várias contribuições para o entendimento dos casos discutidos e para a forma como o serviço vinha conduzindo o projeto terapêutico do usuário.
Outra informação salientada no grupo está relacionada à participação e contribuição de cada integrante nas discussões. Alguns participantes afirmam que a discussão de casos possibilita a contribuição de todos os integrantes da equipe, que se comprometem de forma diferenciada na condução do caso. Esse aspecto não foi associado às conversações clínicas e foi justificado em características e tendências da equipe e da coordenação do serviço. Um dos participantes afirma que percebeu uma dedicação maior da equipe após as conversações clínicas. Percebemos durante o grupo focal que quase todos os participantes da equipe se sentem a vontade para manifestar-se e emitir opiniões. Foram citados exemplos de casos, em que a contribuição de profissionais de nível fundamental e médio foi decisiva para a construção do projeto terapêutico do usuário.

[...] eu tive nitidamente essa sensação todo mundo tinha uma fala, um momento pra conta e eu lembro de uma vez de uma coisa que o L. falou foi assim importante foi a chave que deu um Click  que o L. chamou a atenção [...]

A princípio a gente teve uma angústia e depois daquele momento eu sai de lá muito empenhada pensando tenho algo a fazer... que a gente tinha algo a fazer.

Eu acho que com certeza faz todos refletirem, porque deu para compreender que todos os técnicos têm o seu papel, a sua função. Ficou claro que precisava de toda a equipe [...] porque o paciente envolve vários momentos, várias situações e vários técnicos com ele. Eu acho que todo mundo sentiu necessidade de refletir sobre a sua atitude.

E eu percebi que todo mundo atuou dessa maneira... houve uma efervescência de fala, todo mundo queria falar eu acho que surgiu um efeito muito positivo todo mundo ficou muito motivado pra falar.

A interação entre a equipe mudou após as conversações clínicas. Os participantes afirmam que conseguem se comunicar melhor entre si e trocam informações e opiniões acerca dos casos, com mais intensidade.

Os participantes afirmaram que convidaram a presidente da Associação de Técnicos e Usuários de Saúde Mental. Ela compareceu em uma das conversações. O grupo reconhece a importância em realizar as conversações com representantes de outros parceiros da rede, que de alguma forma estejam envolvidos no caso. Contudo, eles afirmam que essa percepção não chegou à equipe através das conversações clínicas já que essa prática já fazia parte da rotina da equipe e já era uma orientação da política do município. Alguns participantes não localizam na articulação da rede de serviços local a principal contribuição das conversações clínicas. Eles afirmam as maiores contribuições se dão na perspectiva clínica.

Eu acho que se for possível unir os outros profissionais é muito legal... e isto tem experiência em outros lugares. Eu tenho um lugar que é o CAPS que trabalho basicamente dentro da saúde mental e trabalho em outro lugar que é da Atenção Básica e lá eles não conhecem os usuários da saúde mental... é assim: este é do CAPS, vai para lá... eu não sei, não conhece aquele sujeito. E eu acho, se você pode trazer essas pessoas para discussão para que elas conheçam, envolvam minimamente eu acho que seria muito legal.

[...] a organização da rede é fundamental é um tipo de trabalho, a gestão política... mas os impasses maiores estão com a clinica, na relação transferencial, na questão da escuta, na clinica do sujeito como eles colocam e foram aí que as conversações e supervisões fizeram caminhar.

O grupo aponta a psicanálise como uma abordagem que é privilegiada nas conversações clínicas. Os participantes dizem que a psicanálise é a abordagem teórica que norteia todas as discussões e as decisões tomadas pela equipe. Os participantes de nível médio e fundamental reconhecem a psicanálise como abordagem privilegiada, mas afirmam que isso não inviabiliza suas participações e contribuições. Eles associam a facilidade de compreensão do caso à luz da psicanálise, à forma como o condutor das conversações clínicas orienta as reflexões.

[...] o discurso principal é a psicanálise que norteia... nesse sentido eu acho que o que exclui é o que parte em uma direção antagônica à psicanálise. Então, por exemplo, a gente não tem como fazer uma discussão psicanalítica e uma discussão cognitiva- comportamental... não cabe.

Ela [a psicanálise] não fica no discurso muito de jargão, mas a forma que o L. conduz não é um discurso de jargão. Ele parte, a partir do caso mesmo, do paciente e isto facilita a gente entender.

E do jeito que o L. faz a supervisão com a linguagem da gente. A gente entende melhor principalmente para mim... quando falar na teoria vai passar batido.

A principal contribuição percebida nas conversações, de acordo com as afirmações dos participantes desse grupo focal, está relacionada à compreensão do caso clínico e a construção coletiva do projeto terapêutico do usuário. Essa contribuição não é associada diretamente às conversações clínicas, enquanto método, mas são características percebidas pela equipe no espaço de discussão de casos. A quase inexistência de diferenças entre o modelo da conversação clínica e o modelo de discussão de casos clínicos adotado pela equipe nos faz pensar que este último incorporou princípios e fundamentos da conversação, nos processos de supervisão externa ministrada por membros da equipe central da CLINICAPS.

O Site criado pela pesquisa foi citado no grupo como um aspecto positivo. Apesar de apenas 02 participantes terem acessado o site eles afirmam que, ter os casos discutidos no município disponibilizados na web para consulta de outros serviços foi um elemento motivador e enriquecedor do trabalho da CLINICAPS.

3.7. Localidade: Uberaba/MG

Resultados

Quando os  participantes foram perguntados sobre  sua compreensão acerca da conversação clínica, imediatamente começaram a se pronunciar. Já no início idéias como “ampliação do olhar”, “novas opiniões” e “novos olhares” foram mencionadas pelos participantes. Os sentidos desses olhares se referiram à importância de ter alguém “de fora” do cotidiano do serviço, já que se compreende o trabalho realizado pelos profissionais marcado por um envolvimento que muitas vezes não permite compreender e visualizar determinados processos que podem estar acontecendo com os pacientes. Seja por um certo cansaço causado pelo caso, seja pelo apego excessivo, seja por um cotidiano de trabalho que se impõe nos profissionais.

A gente tá aqui, a gente vivencia muito o que acontece com estes meninos, às vezes a gente se apega. Eu acho que é olhar diferenciado, o olhar de quem não conhece este adolescente ou esta criança acho que é assim a gente faz o diagnostico e vê o que acontece, mas muitas das vezes a gente deixa envolver as vezes e na hora que chega e fala assim: olha está acontecendo isto com essa criança e eu não estou dando conta dessa criança e vamos vê o que podemos fazer. Agora não a gente coloca o caso e a gente tem uma visão de quem está de fora que de certa forma não está contaminado por aquele paciente e às vezes é difícil para equipe. Este olhar de fora é muito importante porque eu vejo que a equipe está cansada dele porque é um paciente que dá muito problema para o serviço e tudo dia tem um problema e acaba de fica difícil. E por mais que a gente tenta é difícil lidar com este paciente.

Os outros olhares também foram compreendidos como contribuições de pessoas que vem de fora, que possuem outras experiências e que a partir disso podem ajudar aqueles profissionais envolvidos na compreensão e condução do caso.

E este olhar de fora trazendo novas sugestões mostrando outros caminhos que a gente poderia está percorrendo com este paciente eu acho que contribui muito.

Envolve tudo a forma que ele conduziu e assim os questionamentos dele, as sugestões com as opiniões que ele trazia. A conversação nossa foi muito rica a gente sempre comentou depois das reuniões que a gente teve, a gente sempre comentou foi muito rico.

Outro elemento considerado nas respostas dos participantes se refere à complementaridade de opiniões a partir de informações oriundas de diversas pessoas que tiveram algum tipo de acesso ao caso clínico. Reconheceram que cada profissional ou envolvido tem acesso a informações e também formas de relação diferenciadas sobre o caso e que possibilitar um espaço de apresentação desse olhares enrique demasiadamente a compreensão do caso.

Aconteceu que um terapeuta de referencia do caso apresentado fez a exposição completa, uma exposição do caso e todos os outros integrantes do grupo, da equipe foram apresentando como ele era no grupo de um, no grupo do outro e dando novas informações que não tinha o conhecimento como, por exemplo, a informação que obteve com a mãe dele em determinado momento ou outras informações durante o atendimento de grupo porque ele tem um técnico de referencia mas participar de outros grupos. Não foi assim gente?

Cada um foi dando um pouquinho de informação sobre o paciente, cada um foi dando um pouco de seu olhar. E no final eles fizeram o fechamento.

Chegaram a demonstrar espanto em relação à diversidade de olhares dos próprios participantes da equipe com os quais se depararam. Destacou-se que apesar de ser uma equipe que trabalha em conjunto, as formas de relação e visão sobre os casos são distintas e compartilhar tal diversidade foi analisada como rica.

O grupo relata que a conversação clínica veio enriquecer atividades que eles já desenvolviam no serviço, como por exemplo, as reuniões semanais, às segundas feiras. Relatam que como realizam discussões com uma certa peridiocidade sobre os casos, não utilizam as reuniões para aprofundamentos dos mesmos. Não há, nessas reuniões, apresentação de casos, e sim de algum elemento que possa ser novidade. Mais uma vez se referem à importância de elementos externos na conversação, pois isso exige que haja a apresentação do caso, exercício que enriquece e propicia uma re-elaboração em equipe. Reconhecem que na conversação clínica, elementos desconhecidos por alguns são compartilhados, apesar da peridiocidade das reuniões semanais. Destacou-se também a importância de um parâmetro de fora para um certo feedback acerca do trabalho que está sendo realizado.

E muitas das vezes apesar das dificuldades assim a gente vê que está no caminho certo, não é M.? E motiva a gente a continuar... se eu estou no caminho certo então eu vou continuar.

Eu acho que surgiu assim teve questionamento de dados do paciente que não tinha antes. Qual é o papel de cada um da família por exemplo pra gente investigar melhor o caso, quem cuida é a mãe ou a avó, quem teve na realidade o papel de mãe.

Destacam também como contribuição da conversação clínica, a mudança de postura dos envolvidos em outros casos atendidos pelo serviço. Afirmam que ficaram mais atentos a determinados aspectos, passaram a indagar coisas que antes não faziam, se reposicionaram diante de todo o trabalho.

Outro aspecto destacado como contribuição da metodologia de conversação, mesmo que essa fosse uma preocupação da equipe antes da mesma ser implementada, se refere á capacidade de unificar percepções e discursos sobre os casos discutidos. Reconhecem que a conversação possibilita a concretização desse objetivo que já estava na equipe há tempos. Consideram que em casos clínicos muito difíceis, se não há uma unidade de percepção, podem ser alvo de manipulação dos próprios pacientes e esse é um aspecto que desejam combater.

Como são casos graves os que a gente traz para reunião a gente vê que é importante que todo mundo fale a mesma língua. Então a gente discute o caso nas reuniões de segunda e vai todo mundo conforme a gente combinou que a gente viu que é o certo. Só que tem outros casos que a gente vai assim... tem tantos tão graves que às vezes uma criança cada um trata de um jeito, cada tem sua forma de intervir e aí assim fica com intervenções diferentes justamente porque a gente não trouxe essa criança, ele não deu tanto trabalho para gente trazer para a reunião. Teve até uma época que a gente fez uma lista que a gente iria discutir todos  os casos justamente para não acontecer isto mas não foi possível.

Falar a mesma língua é o mais importante da equipe, no trabalho de equipe em alguns casos tem também que eles são muito manipuladores então eles vêem tentando isto de formas diferentes com cada membro da equipe tentando tira aproveito então quando a gente percebe isto porque assim já é comum a gente já tem uma mesma linguagem no que pode e no que não pode por exemplo dentro do serviço mas tem uns que são meio perspicaz eles vão mais pelas lacunas e nesses casos se tornam mais difíceis para equipe. então a gente faz uma regra para aquele paciente ele hoje precisa mais disto então vamos todos aplicar isto com ele.

Destacaram que em relação aos procedimentos institucionais, nada mudou no funcionamento do serviço. No que se refere à participação de profissionais de outros equipamentos destacaram, quando perguntados, da importância da sua presença, mas esta de fato não acontece com freqüência..

Fizeram referência à necessidade que sentem, em alguns momentos, de fazer reuniões entre profissionais técnicos e profissionais do grupo de apoio, mas nunca nas conversações. Dizem que a forma de contribuição é no dia a dia; reconhecem que freqüentemente profissionais de apoio vão até os técnicos e manifestam suas percepções sobre os comportamentos dos pacientes, algo que julgam estranho, etc.

Sobre a prevalência ou não de algum campo de conhecimento/saber nas conversações clínicas, o grupo reconhece que a psicanálise ocupa um lugar privilegiado, mas afirmam que isso não é impeditivo para que se apresentem outros pontos de vista. Relatam situações onde se lançou mão da perspectiva comportamental o que foi muito positivo para o caso. Contudo, a situação fica um pouco diferente quando se referem à capacidade de acompanhamento do pensamento psicanalítico por parte de profissionais de nível médio ou fundamental.

Profissionais que não são da área psicologia/psicanálise manifestaram que em alguns momentos têm uma avaliação de que os casos são muito psicologizados.  Para eles, isso pode deixar a equipe menos aberta para outros aspectos do caso.

Por fim, quando perguntados sobre dificuldades da conversação clínica, se referiram aos conflitos de opinião provocados e da necessidade de ter que conversar e dialogar para buscar um consenso. Também se referiram ao fato de trabalharem com crianças e das dificuldades de compreensão e interpretação acerca do que eles dizem e manifestam.  Contudo, reconhecem que a conversação clínica promove uma discussão mais aprofundada dos casos.

4. Conclusões

A análise dos grupos focais apresentada acima nos leva a algumas conclusões importantes acerca da metodologia da conversação clínica que poderiam ser resumidas nos seguintes aspectos:

  1. O conhecimento da metodologia da conversação clínica não acontece de forma abrangente em todos os CAPS. A principal dúvida que aparece é em relação á diferenciação entre supervisão e conversação. Contudo, embora muitos não saibam nomear literalmente essas diferenças, demonstram, pela prática, identificar algumas delas.
  2. O primeiro aspecto reconhecido como diferencial da conversação clínica se refere ao fato de ser conduzida por participantes “de fora”. Destaca-se que a presença de alguém que não vivencia o cotidiano do caso permite a visualização de aspectos que quem está “muito perto” ou envolvido é incapaz de ver e compreender. Além disso, o “olhar de fora” trás novas experiências, olhares e conhecimentos.
  3. O segundo aspecto destacado como característico e positivo da conversação clínica é o fato de consistir em uma produção coletiva. A presença e participação de vários profissionais com vínculos institucionais diversos possibilita compreender o caso de uma forma mais abrangente e tal compreensão leva a posturas de mais qualidade na condução do mesmo. Tal diversidade é identificada, muitas vezes, como o trabalho intersetorial, previsto pela política nacional, em ação.
  4. Outro aspecto é a identificação da psicanálise como saber que prevalece nas conversações clínicas. Tal fato é avaliado a partir de duas perspectivas: como o elemento que possibilita uma certa unidade acerca da visão do caso ou como elemento de exclusão de uma certa diversidade de olhares sobre o caso.
  5. Há o reconhecimento de que a participação dos profissionais de apoio do serviço no cotidiano é de grande relevância, embora eles não tenham participado das conversações clínicas.
  6. Não há uma percepção de mudanças nas relações institucionais e políticas a partir das conversações clínicas.
  7. A revista eletrônica CLINICAPS não cumpriu o objetivo de apoio às atividades das conversações sendo mencionada e conhecida por poucos.


 
 

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_______________. Focus groups. Annual Review of Sociology. 22, pp.129-152,1996.

 
     
 

Notas

(1)A pesquisa de avaliação aqui apresentada contou com a seguinte equipe: Claudia Mayorga (pesquisadora coordenadora), André Diniz (pesquisador); Helen Moreira (Auxiliar de pesquisa).

(2)Os nomes dos participantes dos grupos focais não serão identificados

 
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