ISSN: 1983-6007 N° da Revista: 14 Maio à Agosto de 2011
 
   
 
   
  Artigos  
   
     
  Perspectivas futuras para a Psicanálise, para a Medicina
Future prospects for psychoanalysis, to medicine
 
     
 
Célio Garcia
Psicólogo pela Université Paris 1 (Pantheón-Sorbonne)(1955)
Bacharelado em Letras pela Faculdade Católica de Filosofia do Ceará (1953)
Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (1965)
Membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família
Psicanalista da Escola Brasileira de Psicanálise (MG)

(Mesa com Ricardo Menezes, coordenação de Sergio Campos)
 
 


Em seu texto, Ricardo Menezes examina categorias com as quais contávamos
habitualmente, tais como solidariedade, humanismo, amor, relação médico-paciente, e
constata: "o mal estar que nos invade em nossa profissão não é por elas amenizado".

Em seguida, Ricardo menciona mais de uma vez a pós-modernidade como marco de
desestabilização das referidas categorias, ora éticas, ora deontológicas.
Acrescentaria, para exame posterior: 1) categorias vigentes na prática clínica em
instituições, desde sempre adotadas em modalidade de transmissão, reunindo profissionais na
área da saúde; 2) categorias relativas a "enable science technology", termo que aqui substitui
o termo ciência, evitando-se assim ter que justificar o alinhamento do termo ciência frente a
outros cujo âmbito pode ser distinto.

Em que pesem as diferenças entre Brasil e França, entre América Latina e Europa,
vamos aqui considerar, de início, a título de informação, dados e situações encontradas na
França.

A situação na França atualmente é marcada pela presença maciça do governo na área
da Saúde quando os técnicos em Saúde saem a público para propor novas formas de
organização quanto à atribuição de créditos, associação governo / agências de seguro Saúde,
relacionamento com as especialidades. No documento "Projet Hopital 2007 – Mission sur la
modernisation des statuts de l'hôpital public et de sa gestion sociale", documento básico para
a reforma pretendida, podemos constatar nossa anotação acima. No sumário do "Projet…",
encontramos expressões tais como "L'état, garant de la cohérence et de l'équité (quanto ao
sistema de Saúde) ", ou ainda "Le pilotage de l'hôpital: restaurer l'autorité do conseil
d'administration et du comité stratégique".

O hospital considerado uma empresa tem seu orçamento detalhado em termos de
"tarification à l'activité", ou seja, o pagamento devido ao profissional se refere agora a uma
atividade exercida, evitando-se o orçamento global ou honorários globais. Curiosamente,
"atividade" sugere o termo "ato" (caro aos analistas de orientação lacaniana); o termo recebe
aqui conotação cuja derivação faz sentir os novos tempos.

A clínica tradicional com seu timing, (cujas etapas declinam um instante de ver, mas
também um mais ou menos longo tempo de compreender, finalmente um eventual momento
de conclusão), exige temporalidade especial para a qual o "ato" a ser contabilizado não seria a
unidade que lhe conviria.
Faço aqui anotação inicial, admitindo que eventual retomada da questão não estaria
limitada a um protesto contra forma de "organização e métodos", comum em qualquer
empresa funcionando no regime capitalista. Nem vamos deixar de contabilizar os eventuais
benefícios devidos à nova organização, tais como melhor controle das infecções hospitalares.

É possível que a reforma dos hospitais faça parte de um conjunto de disposições que
importa registrar. De fato, ela seria aspecto mais visível, mas não o conjunto de importantes
mudanças em nossos conceitos em matéria de tratamento a ser oferecido aos pacientes que
nos procuram.

Vamos assinalar dados e considerações sobre situação já conhecida e assinalada nos
Estados Unidos. As pessoas procuram os cuidados médicos na busca de uma melhor
performance, não por que estejam doentes. (N. Y. R. of Books Vol. 51, N. 2, Fevereiro 2004;
comentário sobre o livro "The pursuit of perfection: the promise of medical enhancement" por
Sheila M. Rothman e David J. Rothman).
Menciono igualmente o artigo "The end of primary care" de Lisa Sanders no The New
York Times, de 18 de Abril de 2004. Ambos os artigos são sensíveis às mudanças na prática
médica, desta feita nos Estados Unidos.

Aspecto igualmente registrado no artigo recente de Ivan Illich (falecido em Dezembro
de 2002) cujo título "L'obssession de la santé", (Le Monde Diplomatique – Manière de Voir.
Fevereiro –Março 2004, publicação bimensal) indica que o tema será examinado em âmbito
bem mais amplo e não restrito a esse ou aquele país.

Na elucidação e explicitação da temática de nossa investigação estaremos atentos
especialmente à Psiquiatria. Nossa hipótese é de que a Psiquiatria conhece situações cruciais
para a abordagem das questões atinentes ao paciente, à saúde, doença e cuidados de uma
maneira geral a serem fornecidos pelo pessoal profissional na área da saúde.

A constatação é de que temos que avaliar o horizonte imediato e de longo alcance
quanto às reformas. A própria OMS será acompanhada quanto à documentação por ela
produzida. O Comunicado CMS / 48 pode ser citado, pois que ele contém definição do que
seria uma política de Saúde; de fato, a OMS diz privilegiar a categoria capacidade /
incapacidade de cada um, de uma população, como critério (ou variável) a ser examinada, em
detrimento de uma abordagem que teríamos que chamar clínica. [Bowlby é citado como
psicanalista próximo a OMS, introdutor de abordagem comportamentalista no tratamento da
política de Saúde, por exemplo, quanto à idéia de capacidade/incapacidade]. O termo
biopoder (Foucault), também mencionado por Ricardo, encontra aqui sua plena aplicação.

O abalo da fortaleza em que nos sentíamos protegidos quanto a nossa prática
profissional referida a modelos éticos que nos vinham de longe (da Grécia, com Hipócrates),
nossa pratica política justificada por nossa adesão a governos de esquerda, seus ideais, seu
progressismo, tolerância na relação entre lei e prática institucional do dia a dia em
contrapartida a instruções e regulamentação estritas postas em prática pelos governos onde
prevalece o liberalismo atual, tudo isso parece nos obrigar a uma revisão rigorosa de nossas
idéias e premissas.

Teria a Psicanálise resistido até agora, a essas investidas do sistema governamental?

A indagação torna-se crucial quando o governo trata de regularizar a prática dos
psicoterapeutas através de lei concernente à política de Saúde.
Finalmente a lei Accoyer (do nome do senador que a propunha) aprovada no Senado
exclui a Psicanálise de tal abordagem, mas deixa a porta aberta para próximas investidas,
pensam os mais atentos aos desdobramentos da questão suscitada.

Podemos lembrar Lacan que em seu texto sobre a Medicina vaticinou: a Medicina
terminou! A Ciência recorta o corpo de outra maneira, em nossos dias.
Podemos acrescentar - o DSM classifica os transtornos mentais uma vez que a ciência
opera o novo recorte do corpo. Valeria a pena um estudo para examinar como as entidades do DSM se formaram. De fato, elas parecem corresponder a uma realidade a que aderem as
pessoas, a TV, as conversas na rua entre amigos, os livros de medicina e / ou primeiros
cuidados nas casas de famílias. Afinal, todo mundo parece preferir uma leitura do mal estar,
uma vez excluída a questão da causalidade.

As normas da pratica clínica (inclusive, diagnóstico) que conhecíamos em nossa
formação, em nossa clínica, sofreram abalo tanto quanto os ideais que nos animavam em
nossas análises políticas. [Mais adiante dou um resumo que foi um curso na UNILESTE em
curso coordenado por nossa colega Márcia Rosa sobre "Os inclassificáveis".]

Alem desse público leigo (TV, famílias, qualquer um), temos que mencionar os
pediatras, os educadores, os usuários que pouco a pouco se "especializam" (!), no mercado de
medicamentos, de objetos vendidos pelos laboratórios (ex. pipi-stop no tratamento da
enurese), todos eles verdadeiros passadores de mensagem da nova definição de Saúde.
Finalmente, postulados tais como – "livre escolha do médico por parte do paciente,
segredo profissional, ausência de fichamento", nada disso parece essencial à medicina para os
economistas (Ver Le Monde Janeiro 20, 2004).

A saúde se paga, isso todos já sabiam. Mas, o que não sabíamos era quanto cada um
terá que pagar pelo que fizer ou não fizer ou fizer errado pondo em risco a própria saúde ou
fazendo outros correrem risco. Todos lembram imediatamente o que aconteceu com o
tabagismo, esse vício cujos recalcitrantes tem que pagar e pagar caro.

Quanto custa um prazer ao qual fazemos questão de obter ou garantir, quer queiram ou
não o sistema e os outros com quem convivemos? 1

Segunda Parte.

Após exame da situação da Medicina em nossos dias, Ricardo Menezes constata
insatisfação com a profissão entre os médicos. Enquanto dava prosseguimento a pesquisa na
área a que se refere Ricardo, em entrevistas com médicos em Paris 2, constatei o mesmo
comentário, ou seja, o mal estar parece caracterizar o estado de espírito dos médicos, mesmo
quando não há problema de remuneração.

1 Algumas informações foram colhidas em reunião de grupo de médicos em Paris em Janeiro/Fevereiro de 2004.
O grupo era resultado do Fórum/Psy convocado sob os auspícios da Escola da Causa Freudiana. Meus agradecimentos a Dr. Fabien Grasser que me convidou para a reunião. Importante documentação pode igualmente ser encontrada nos sites www.fnap.net ou www.psychiatrie.com.fr
2 Meus agradecimentos aos analistas/psiquiatras que aceitaram conceder entrevista gravada em Janeiro/Fevereiro
de 2004. Os comentários e depoimentos registrados se destacam pala sinceridade.

A questão da Saúde, dos gastos com este item, indagações sobre o tratamento e
cuidados a serem fornecidos, parece constituir quadro crucial para discussão de um mal estar
que acomete profissionais, instâncias governamentais, usuários.
Aqui lembramos mais uma vez, nossa constatação: a organização dos serviços de
Saúde é considerada ponto de destaque quanto à governabilidade em nossos dias, tanto em
países como a França, quanto em outros países.

Diante de tal situação, cabe aos psicanalistas, assim como a outros, estarem preparados
para a etapa que se anuncia. Preparar a Psicanálise era o termo de Freud quando ele
vislumbrava o futuro da Medicina e da Psicanálise. Futuro em termos de descobertas de "base
química para as pulsões", futuro da Psicanálise em suas relações com a Psiquiatria.
Vamos precisar de alguns dados sobre a situação da Psiquiatria em sua vizinhança
com a Psicanálise. Tomamos o caso da França, de inicio por encontrar dados disponíveis, sem
deixar de lado o fato de que frequentemente a história da Psiquiatria em período recente
parece determinada pelo que acontecia neste país.

É bem esse o caso quando reconstituímos o que acontecia em torno da figura de Lacan
em suas relações com a Psiquiatria. Recentemente Elisabeth Roudinesco lembrava essa época
atribuindo à Psicanálise o título de rainha, já que seu élan antropológico a colocava em
posição de destaque no cenário intelectual; ela teria contribuído para independência de
pensamento da Psiquiatria frente à Neurologia, conclui Roudinesco.
Práticas violentas como a malarioterapia, leucotomia, foram nessa época abandonadas.

Desde a tese de Lacan (1938) tem inicio a crise da Psiquiatria, dizem alguns.

A época de grande criatividade havia passado, nenhuma contribuição teórica de
importância veio a marcar o período seguinte. Todos concordam em dizer que parece
essencial o papel da Psicanálise no cenário como um todo: "No após guerra foi a Psicanálise
(em torno de Lacan) que criou espaço para que a Psiquiatria pudesse dar continuidade a sua
caminhada". Tratava-se de uma integração entre Psicanálise e Psiquiatria, dizem outros.

Sabese que era comum um psiquiatra procurar formação pessoal, isto é, fazer a própria análise.

Até os anos 60 havia uma aliança entre a Psiquiatria e a Psicanálise, dizem os
depoimentos colhidos em Paris em minha pesquisa. Creio tratar-se de um fato histórico,
registro-o em termos de depoimento, pois foi assim que pude acumular os dados que ora
trago.

De 80 em diante a presença dos medicamentos tem importância considerável e muda a
distribuição dos dados da situação. São dois milhões de caixas de medicamentos por mês na
área que nos interessa (anti-depressivo, Prozac e outros, excluídos os tranqüilizantes), na sua grande maioria prescritos por médicos não psiquiatras. A França já é considerada grande
consumidora de anti-depressivos.

Atualmente são 15.000 psiquiatras na França, dos quais 500 em CHU (Centros
Hospitalares Universitários). Dr. Loo no Hospital Saint Anne (o mesmo onde Lacan havia
dado início a seu ensino) conduz serviço e ensino de técnicas neuro-biológicas.

O exemplo da drogadição merece ser mencionado. O ministro Kouchner teria dado
inicio a uma formação rápida para médicos generalistas que passaram a usar medicação
substitutiva (metadona e outros) em detrimento do atendimento clinico psicoterápico.

Foi bem um marco (trata-se de um ministro de orientação política progressista) e
anuncia o que vai acontecer. Ele mesmo dizia haver conseguido incrementar sua política sem
ajuda (com resistência ou mesmo recusa) por parte dos especialistas médicos.
Finalmente, a reforma ao nível da residência médica suprimiu a formação de novos
psiquiatras. "Somos um grupo que envelhece", dizia alguém.

Resumo: a preferência pelo privado em detrimento do público, a ideologia da
rentabilização, a falta de recursos disponibilizados, a presença forte dos medicamentos, forma
o quadro atual que marca profundamente profissionais trabalhando na área, assim como o
discurso dos experts junto ao governo e ministério da Saúde.

Terceira parte.

"Saúde a ser inventada", susceptível de oferecer alternativa ao sistema atual, será o
resultado de um trabalho a ser conduzido a partir dos resultados da pesquisa que ora
registramos em sua etapa inicial. De início, temos uma serie de enunciados produzidos pelos
experts ligados ao sistema de Saúde, uma série de enunciados colhidos nas entrevistas com
médicos, psiquiatras na França, em seguida no Brasil. Saúde a ser inventada (por cada um)
incorpora a singularidade de cada um, inclusive suas características genéticas (parte
objetivável), sem deixar de lado o que cada um sente e ressente (parte subjetiva) do seu
próprio corpo e no seu proprio corpo.

A Clinica a ser implementada será uma conseqüência da Saúde a ser inventada.
Ambas levarão em conta o que colhemos nas entrevistas, na TV, no que resultou no
novo recorte do corpo tal como mencionamos na citação de Lacan. Vale destacar desde logo o
impacto que tem tal enunciado (novo recorte do corpo) quando vemos o modelo de beleza
buscado pelos mais jovens. A anorexia ou a magreza exagerada seriam uma possível
ilustração, apenas acentuada de tal recorte, já em suas aplicações estéticas e de subjetivação.

A saúde a todo custo, a prevenção sempre preferida em detrimento da clinica, serão
igualmente aspectos a serem examinados. Enfim, a definição da OMS (já citada) parece
corresponder ao que constatamos na tendência atual.

Quarta parte.

"Os Casos raros, inclassificáveis da clínica Psicanalítica" é o titulo que tomou aqui no
Brasil a publicação "Cas rares: les inclassables de la clinique" (1997) resultado de uma
importante reunião sob os auspícios das Seções Clínicas do Campo Freudiano, conhecida
como "Conversação de Arcachon".

Naquela ocasião foram trazidos casos que fugiam às particularidades habituais em
casos de psicose, ora P(pai)0, ora F(falo)0 não se apresentavam configurando os casos
atendidos. O que parecia ser uma reunião onde casos difíceis são examinados, de fato, tornouse momento crucial para uma reflexão sobre a "epistemologia das classificações" (o termo só foi usado recentemente alguns anos após a Conversação de Arcachon).

Essa é a surpresa que nos trouxe a Conversação. De fato, a Conversação, essa sutil
invenção do Campo Freudiano, ao nos expor à incerteza da linguagem, oferece ao mesmo
tempo lugar para exame de questões até então mantidas em bolsões onde cuidadosamente
acumulamos pontos a serem examinados mais tarde. Um dos capítulos da publicação com
trabalhos da Conversação se intitula precisamente "la poche des inclassifiables".
"La poche" eu a entendo como um bolsão, ou uma bolsa onde se acumula material que
se formou, até certo ponto estranho ao corpo de doutrina.
Graças ao artefato da Conversação vinha á tona questão já encontrada por outras
disciplinas como a Paleontologia e a Lingüística.

De fato, há alguns poucos anos, no ano 2000, Noam Chomsky publicou um livro
intitulado "New horizons in the study of language and mind" Cambridge Univertsity Press.

O projeto desse eminente lingüista nos anos 55 tinha sido estabelecer um conjunto de
regras capazes de "gerar" todas as frases de uma língua. Ao seguir as regras, o falante
potencialmente pode produzir um número infinito de frases. As regras não exigem
interpretação; aplicadas mecanicamente, elas são capazes de gerar um número infinito de
frases. A lingüística seria uma ciência tão rigorosa quanto as jovens (na época) ciências da
computação. Uma gramática no sentido técnico usado pelos lingüistas vem a ser uma teoria da
linguagem.

No livro que temos hoje Chomsky argumenta que tais regras são inadequadas para dar
conta da complexidade de uma língua como o Inglês, já que algumas frases sugerem que a
aplicação de uma regra a um elemento se faz não em função de sua forma, mas em função de
como o elemento da frase assumiu aquela forma, em função da história de sua derivação até
aquela forma. A classificação extremamente elegante a que ele tinha chegado não dava conta
das particularidades de cada língua, de cada frase.

Na mesma linha de idéias, Stephen Jay Gould, eminente paleontologista norteamericano
(recentemente falecido) pretende que na teoria da evolução as espécies não são
definidas por atributos, elas não formam classes. Elas são indivíduos particulares (ele poderia
ter dito singulares) formando série ao longo do tempo. Uma espécie existe desde sua origem
até sua extinção, tal como uma pessoa existe desde seu nascimento até sua morte. ("In
evolutionary theory, species do not have defining attributes and are not classes. They are
particular individuals, forming a series of ancestor-descendant populations over time. A
species exists between its origin and its extinction, in much the way a person exists between
birth and death").

Lingüística e Antropologia (Paleontologia) apontam para a mesma perspectiva, isto é,
como trabalhar com a nova epistemologia das classes. Um dia vamos conversar sobre esses
temas.

Em Buenos Aires, em 2003, num texto que se chamou "El arte del diagnostico", os
colegas do ICBA puderam concluir: "La epistemologia de las clasificaciones y el diagnóstico
como arte de juzgar se han anudado en un neologismo: "los inclasifiables".

De fato, o tema é antigo, pois Bertrand Russell havia detectado paradoxos nas classes
com as quais Frege havia construído sua formalização da Aritmética. O famoso "catálogo de
todos os catálogos que não se continham a si mesmos" é a versão do paradoxo em linguagem
comum, deixando de lado o jargão da teoria dos conjuntos.

Mas, a idéia de classificação permanecia como recurso para fazermos ciência.
De fato, os naturalistas viajantes do século XVIII haviam registrado magníficas
anotações acompanhadas de croquis maravilhosos de plantas, animais, encontrados no Novo
Mundo. Quando de volta à metrópole, de posse de tantos animais e plantas exóticas, fazia-se
necessário uma classificação.
Foi essa postura que herdamos em nossa ciência classificatória.

Na seqüência do século XVIII, com o nascimento da clínica lemos os sintomas como
mensagem, como sinal, para logo em seguida reuni-los em quadros. Uma descrição apurada
aumentava a confiabilidade.

A psiquiatria também seguiu os mesmos caminhos. Graças aos psiquiatras clínicos
fundadores, as descrições de quadros psiquiátricos resultavam de observações pacientemente
realizadas nos hospitais gerais ou enfermarias destinadas a pacientes psiquiátricos. A
terminologia não era a mesma se estivéssemos na Alemanha ou na França, mas o esforço
valia a pena; os quadros clínicos reunidos contribuíam para a construção de uma nosologia
(ciência classificatória das doenças). O quadro fornecido por Pinel que tenho diante de meus
olhos na página aberta do livro de Postel indica Classes que contem Gêneros, estes por sua
vez contem Espécies, resultando uma Classificação das doenças mentais.

Por vezes um autor mais ambicioso tinha em mente uma teoria capaz de explicar a
origem, a gênese, e o prognóstico de uma doença, chegando a construir um sistema geral para
as afecções da psique. Era ainda nesse ponto, a postura cientifica que assumia tais pretensões.
A Psicanálise herdou a nosografia (quadros clínicos reunidos numa classificação
nosográfica) da Psiquiatria. Freud era um médico formado nos laboratórios de pesquisa que
adotavam a postura cientifica em matéria de classificação.

Como ele era um fundador de discurso, Freud logo introduziu modificações no
vocabulário psiquiátrico, na medida em que construía sua teoria dando conta da suas
descobertas.

Somos levados atualmente a trabalhar em nossa clínica, a dar conta de nossa condução
da cura, sem termos que passar necessariamente pelo diagnóstico como peça indispensável
para se dar inicio ao trabalho de atendimento. Mais vale uma condução da cura que uma
discussão sem fim (com ajuda do supervisor, ou em Seções Clínicas também ajudadas pelo
supervisor) quanto ao diagnóstico. O relatório do ICBA chega ao enunciado seguinte: "Es
decir, que se llega ao diagnostico por el trabajo de la transferência; aqui el diagnostico es un
punto de chegada".

Dou uma outra conclusão do mesmo relatório: "Por ella (epistemologia de las
clasificaciones) entra el sujeto a una clase, inscribiendo una diferencia que la descompleta
ampliandola. Cada caso asi concebido, suplementa la clasificacion com un novo clasifiable".

Impossível percorrer todo relatório, explorando cada tema tratado; haveria ainda para
serem tratadas a questão do Nominalismo encontrado no DSM 3, assim como a indagação
sobre a Estetização do Sinthoma.
Devo me limitar a dizer por que trouxe esse relatório como contribuição ao presente
texto.

1) Fica claro que a "arte do diagnóstico", desdobramento da Conversação de Arcachon
(entre 1997 data da reunião de Arcachon e o Relatório do ICBA percorremos seis anos de
elaboração) decorre de reflexão no âmbito de uma epistemologia das classificações e nos situa
em oposição ao recurso classificatório. Para concluir esse parágrafo, podemos citar mais uma
passagem de conclusão do relatório: "Agujerar la clasificacion sin dejar de contar com ella, ir
más allá de la clase para volver a ella inscribiendo una diferencia que la descompleta
ampliandola".

2) Lancei mão do termo Conversação para introduzir uma pesquisa que não visa
unicamente o consenso. Pelo contrário ela propicia o surgimento de questões que
permaneciam veladas ou em reserva. A Conversação será nossa contribuição inicial para uma
conversa com a Medicina especialmente a Psiquiatria.
A "Saúde a ser inventada", por mim sugerida anteriormente, termo que tanto
interessou a Ricardo, era apenas o anuncio de alguma coisa que só agora toma corpo nessa
presente exposição. Ocorreu-me essa sugestão (Saúde a ser Inventada e Conversação) quando em uma reunião de médicos, vi pela primeira vez um aparelho de controle remoto que permite votação por parte do público a cada vez que uma questão era examinada.

A escala e votação vai de zero a seis, e o aparelho com aperfeiçoamento que podemos
imaginar, faz soma imediata, fornecendo o grau de consenso entre especialistas. Imaginem em Arcachon, se tivéssemos lançado mão de um aparelho como este. Não teríamos obtido o
resultado já ressaltado, ou seja, indagações sobre a própria questão da classificação, debate a
partir de uma epistemologia das classificações, criação de um termo como arte do diagnostico.

3) A transmissão, em se tratando de Psicanálise e de Psiquiatria, por sua vez encontra
se aqui convocada quando sabemos que o supervisor (na Seção Clínica ou em sessões
individuais, ou em seminários) lança mão da classificação como modalidade de transmissão,
anima discussão sobre o diagnóstico diferencial como exercício para dirimir questões.

3 Remeto o leitor ao numero 5 e 6 da Carta de São Paulo (Boletim da Escola Brasileira de Psicanalise – SP) onde encontramos numerosas contribuições ao tema aqui tratado. Especialmente, no N. 5, sobre a arte do diagnóstico, o texto de Jacques Alain Miller "O rouxinol de Lacan"; no N. 6, "Entrevista de Jacques Alain Miller a Jorge Forbes e Márcio Peter de Souza".

E se buscássemos um outro programa graças à epistemologia das classificações, outra
modalidade de progredir com o jovem praticante, na sua faina de apresentar casos, acumular
experiência?

Que perspectivas descortinar, uma vez aceitas as sugestões a serem elaboradas numa
Conversação, para a Psicanálise e para a Psiquiatria, no afã que anima a todos nós
empenhados em manter partícipes no século XXI essas disciplinas tão importantes para o
espírito humano?

Recebido em Maio de 2011
Aceito em Agosto de 2011

 
  Arquivo em PDF do artigo  
 
Revista N° 14 .
. Editorial .
. Sumário .
. Artigos .
. Relato de Experiência  
 
 
. Corpo Editorial .
. Instruções aos Autores .
. Números Anteriores .
. Indexadores .
Topo da página
CliniCAPS - Todos os direitos reservados © - 2006