ISSN: 1983-6007 N° da Revista: 23
Janeiro a Abril de 2014
 
   
 
   
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ACOMPANHAMENTO TERAPÊUTICO: A PERCEPÇÃO DA FAMÍLIA
THERAPEUTIC MONITORING: THE PERCEPTION OF THE FAMILY

 
     
 

Vitor Clímaco de Melo
Psicólogo pela FTC – Faculdade de Tecnologia e Ciências.
Discente da UNIGRAD Pós-graduação em Atenção Psicossocial no SUS e SUAS.
E-mail: vitorclimadodemelo@yahoo.com.br
Larissa Lima
Psicóloga pela FTC – Faculdade de Tecnologia e Ciências.
Monique Araújo de Medeiros Brito
Mestre em Saúde Coletiva (UFBA).
Docente do curso de Bacharelado em Psicologia da Faculdade de Ciência e Tecnologia (FTC).

Resumo:O presente artigo visa abordar o contexto da Reabilitação Psicossocial de pacientes portadores de sofrimento psíquico e delimitar quais são os impasses e potencialidades encontrados neste processo segundo o referencial teórico da Psicanálise e da experiência de estágio no Programa PAI-PJ (Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário). Fazendo um aparato das experiências vivenciadas e desenvolvendo a temática do manejo com portadores de sofrimento psíquico no contexto do desenvolvimento de laços sociais, pretende-se acrescentar conhecimento e mudanças decorrentes dessa prática, mudanças estas, que auxiliarão no aprimoramento sobre aquilo que se entende como “Re-habilitar”.

Palavras-chave:Reabilitação Psicossocial, PAI-PJ, Psicanálise.

Abstract: This article aims to address the context of Psychosocial Rehabilitation of patients with psychological distress and define what are the bottlenecks and potentialities found in this process by theoretical framework of psychoanalysis and the experience in PAI-PJ Program (Integral Care Program to the Judiciary Patient). Making an apparatus of lived experiences and developing the theme of management with people with psychological distress in the development of social ties, the intend is to add knowledge and changes resulting from this practice, these changes, which will help in improving about what we understand about "Re-enable ".

Keywords: Psychosocial Rehabilitation, PAI-PJ, Psychoanalysis.

 
 



1 Introdução
Dialogar sobre saúde mental e família requer, no mínimo, sensibilidade e, sobretudo, posicionamentos reflexivos acerca da gama de conteúdos emergentes desse contexto. Portanto, discutir sobre esta temática é também debruçar-se sobre as nuances do cuidado a quem demanda esse serviço, abrindo, assim, um leque variado de novas possibilidades terapêuticas. Entretanto, ainda esbarra-se na falta de informação que a sociedade e principalmente as famílias dos sujeitos em sofrimento psíquico grave possuem sobre o tema, a julgar pelas dificuldades que encontram no seu cotidiano. Vale ressaltar que o estigma da loucura e os seus preconceitos derivantes atrapalham também o processo de autonomia em que estes sujeitos despontam como agentes do seu processo de subjetivação na sociedade – independente de qualquer classificação patológica – e que devem ser protagonistas numa realidade que os coloca em posição de coadjuvantes.
Dessa maneira, a prática do psicólogo na saúde mental deve ter como objetivo principal a produção de cuidado, que, constitui-se de notório instrumento na mediação das problemáticas enfrentadas por estes sujeitos bem como por suas famílias, buscando compreender então, a sua estrutura rizomática. Como objetivo secundário, busca-se instaurar um processo de reflexão sobre como o sujeito se relaciona com o seu território, de que maneira constrói sua afetividade, como se posiciona rente ao adoecimento, qual é o seu nível de relação familiar.
No âmbito das novas tecnologias de cuidado, desenvolve-se uma nova modalidade, conhecida pela alcunha de Acompanhamento Terapêutico (AT), que teve o seu histórico bem retratado nas palavras do autor Piccinini1:
O surgimento da atividade de acompanhamento terapêutico no Brasil ocorreu a partir dos anos 60 com a introdução do conceito de psiquiatria dinâmica. Coincide com o surgimento dos antipsicóticos, com a influência da psicanálise na atividade psiquiátrica e com a expansão da prática ambulatorial. Da ideia de comunidade terapêutica e do tratamento intensivo dos pacientes surgiu a figura do atendente psiquiátrico, do emprego de estudantes universitários na atenção e no acompanhamento dos pacientes. Os primeiros estudantes utilizados foram os de medicina e enfermagem. Até meados dos anos sessenta, o Curso de Psicologia era complementar a outros cursos de nível superior como o de História Natural por exemplo. Com a lei que regulamentou a profissão de psicólogo surgiram as Faculdades de Psicologia com currículos próprios e muitos estudantes de psicologia e mesmo psicólogos formados passaram a atuar na área de acompanhamento terapêutico.
1 Piccinini, W. J. História da Psiquiatria, O Acompanhante Terapêutico. Disponível em: <http://www.polbr.med.br/ano06/wal0106.php>; acessado em: 28/09/14.


Do seu desdobramento histórico para a atualidade percebe-se que, através do AT, ocorre uma ampliação da clínica em seu sentido físico e ideológico, possibilitando a formação da prática de clínica de rua, quebrando as barreiras da clínica ortodoxa, estendendo o serviço dos dispositivos formais de saúde e dessa maneira facilitando o acesso ao serviço para os sujeitos que tenham qualquer dificuldade subjetiva ou física no alcance do projeto terapêutico.
É através da acessibilidade descrita acima que o psicólogo poderá explorar em seus agenciamentos, dinâmicas, estratégias, refletir sobre novos conceitos, aplicá-los, aproximando-se da realidade do sujeito e do sistema familiar, estabelecendo através destes encontros um processo pedagógico numa perspectiva de quebrar estigmas e valores construídos por uma percepção social limitada no que tange o adoecimento.
Com efeito, a prática do cuidado ampliado possibilita ao campo acadêmico uma desconstrução de todas as concepções anteriormente postuladas sobre a possibilidade de acompanhamento clínico, e é, inevitavelmente, um facilitador de novas tendências, de novas formatações, novas configurações de atuação na contemporaneidade.
Assim, pretendeu-se estabelecer neste trabalho fruto de uma prática de estágio, um diálogo com as famílias dos sujeitos acompanhados por meio do AT, objetivando investigar e compreender as percepções das famílias sobre essa experiência de cuidado. Com o alcance desse objetivo, discutiu-se essas percepções, disponibilizando-as num sistema qualitativo de forma a ampliar as reflexões sobre as experiências ali desenvolvidas.
2 Clínica Ampliada
Pensar sobre o conceito de clínica remete-nos à formatação ortodoxa da Psicologia, ou seja, um espaço fechado, onde o terapeuta/analista debruça-se sobre um setting terapêutico, munido de um contrato de trabalho e dos dialetos ofertados por sua abordagem – que norteará o processo -, e com uma visão pouco dilatada para enxergar o além-espaço físico e a palpável dinâmica do sujeito no cotidiano, seja na sua casa, na praça ao lado, ou em qualquer outro espaço onde faça proveito da sua convivência em sociedade.
Portanto, eis que essa imagem cai por terra quando pensamos, discutimos e colocamos em prática uma clínica de ampliações, que atua como uma rede, uma teia, extremamente aberta para o diálogo com possibilidades que outrora seriam desconsideradas pelas práticas psicológicas ortodoxas, provocando, assim, uma quebra de paradigmas nas mais variadas ideologias e também em sua prática, que acorrentaram por muito tempo as possibilidades de

variações terapêuticas em salas cercadas de paredes, quadros sugestivos, livros e posições que se mantêm fixadas como o relógio na parede que cronometra o tempo limite da sessão.
Estamos falando de um novo modelo clínico, que permite a construção de um projeto terapêutico ampliado, o qual busca configurar-se como campo de atuação prática e teórica da contemporaneidade, ou seja, busca levar o atendimento psicológico a famílias e ou sujeitos que vivem em condições de vulnerabilidade sócio econômica, ou que possuam dificuldades subjetivas e ou objetivas no alcance dos dispositivos legais de saúde.
Para isso, é preciso realinhar as demandas contemporâneas às novas possibilidades do funcionamento clínico em uma perspectiva ampliada, algo que perpassa pela sensibilidade dos estudantes/profissionais que vestem a camisa dos dispositivos de saúde, das organizações não governamentais, das instituições que se propõem ao novo. No artigo Clínica Ampliada: Quem demanda ampliações? Extraímos um trecho que colabora com o debate, pois, segundo a autora Paulon (2004, p. 6):
Se ficarmos, então, discutindo a ampliação no âmbito da intervenção de uma Clínica meramente disseminadora dos mesmos modos de subjetivação existentes, estaremos, no máximo, ampliando os pontos de tensionamento entre um campo de saber que resiste a reconhecer seus sinais de esgotamento e as demandas do contemporâneo que poderiam indicar exatamente onde eles estão. Demandas de novo que fariam clarear, inclusive, onde o "clássico virou simplesmente velho, onde o que já foi "linha de fuga" enrijeceu-se em instituição". A ampliação neste sentido parece-me mais autofágica que desejável, pois se não pudermos tomar os limites com que vimos nos deparando cotidianamente como analisadores do que vimos produzindo em nome desta instituição psicologia, dificilmente conseguiremos fazê-la acompanhar as exigências de seu tempo. No máximo, renovaremos respostas às sempre atualizadas demandas capitalísticas.
E para um novo modelo de atuação clínica, precisamos de novos psicólogos (no sentido de atualização prática), e, com isso, a autora Paulon (2004, p. 6) nos presta grande auxílio na produção destas reflexões:
A tarefa do novo psicólogo, assim vista, é ousar, arriscar-se nos ensaios de criar estratégias que acompanhem as modalidades variadas de constituição da subjetividade. Irrevogavelmente, descolada da concepção tradicional de uma psicologia racional centrada no átomo da consciência, a tarefa do novo psicólogo implica em inventar procedimentos clínicos-críticos consequentes à descoberta de outra hipótese sobre a unidade do sujeito sustentada pelo corpo como grande razão.
Evidentemente que a clínica ampliada convoca o profissional de psicologia a pensar diferente, a estar em um lugar diferente, a interrogar-se cotidianamente sobre os seus instrumentos teóricos, sobre as suas estratégias, sobre a sua produção de hipóteses que deve ser incansável na busca de elementos que possam contribuir com a sua atuação. A ampliação da função clínica requer criticidade, e, por assim dizer, um exercício de pensamento que possam sustentá-la nas práticas futuras.


3 Tecnologias de cuidado
Nesta sessão explicitaremos sobre as tecnologias de cuidado propostas por Emerson Merhy (1998), e utilizadas na tentativa de categorizar a estrutura dos saberes e fazeres em saúde. Segundo o referido autor, ao olharmos com atenção os processos de trabalho realizados no conjunto das intervenções assistenciais, vemos que, além das várias ferramentas-máquinas que são utilizadas – como raios X, instrumentos para fazer exames de laboratórios, instrumentos para examinar o "paciente" ou, mesmo, fichários para coletar os dados do usuário – mobilizamos intensamente conhecimentos sobre a forma de saberes profissionais, bem estruturados, como a clínica do médico, a clínica do dentista, o saber da enfermagem ou do psicólogo, etc. Isso nos permite pensar que há uma tecnologia menos dura do que os aparelhos e as ferramentas de trabalho e que está sempre presente nas atividades de Saúde, pela qual denominamos leve-dura. É leve um saber que as pessoas adquirem e está inscrito na sua forma de pensar os casos de Saúde e na maneira de organizar a atuação sobre eles; mas é dura à medida que é um saber fazer bem estruturado, bem organizado, bem protocolado, normalizável e normalizado. Entretanto, quando reparamos com maior atenção ainda, vemos que, além destas duas situações tecnológicas, há uma terceira, que denominamos leve.
Mendes Gonçalves (1994) discorre sobre a conceituação dos tipos de tecnologia propostas por Emerson Merhy, explicando que a tecnologia leve está relacionada com a habilidade interpessoal, ou seja, com a produção de vínculos, acolhimentos. Já na categoria leve-dura, o autor expõe que essas são constituídas através dos saberes que são bem estruturados, por exemplo: a clínica médica, a epidemiologia e a clínica psicanalítica. A tecnologia dura está relacionada à estruturação organizacional, aos aparelhos e instrumentos utilizados no cotidiano do profissional de saúde, a exemplo: raio-x, prontuários, etc.
Portanto, dentro destas tecnologias tão úteis ao funcionamento dos dispositivos de saúde e também na atuação dos seus profissionais, discutiremos com mais ênfase a tecnologia de cuidado leve, que está intimamente ligada ao desenvolvimento da clínica ampliada e seus desdobramentos, tendo como exemplo o Acompanhamento Terapêutico.
4 Acompanhamento Terapêutico
Nesta sessão, discutiremos sobre essa frutífera tecnologia de cuidado, que surge em um momento paradigmático, com status de paradoxo, principalmente para quem defende o


pensamento mais ortodoxo das possibilidades de funcionamento clínico. É no AT que o psicólogo terá uma proximidade maior ao núcleo familiar dos sujeitos que demandam esse serviço – a fim de conhecer de perto a sua realidade, e, dessa maneira, criar estratégias na elaboração do cuidado -, atuando como um verdadeiro cartógrafo no sentido de produzir e não apenas coletar dados, auxiliando o sujeito e a família nas situações mais diversas do seu cotidiano, sendo parte da engrenagem da máquina familiar.
Por isso, cabe-nos utilizar aqui a contribuição de outros autores para conceituarmos o Acompanhamento Terapêutico, a fim de esclarecermos a sua filosofia e prática. Segundo o psicanalista Guattari (1990 apud ARAÚJO, 2005, p. 31),
O acompanhamento terapêutico é uma prática que se dá como agenciamentos que vão da subjetividade humana aos espaços sociais, dos espaços sociais ao meio ambiente, do meio ambiente à subjetividade – tudo isso, com força da instantaneidade, considerando que esta prática clínica não é unicamente do indivíduo problemático/doente/necessitado, mas uma vivificação da subjetividade na cena/cenário público e da própria cena/cenário público em um registro ecosófico.
Assim, com a reverberação das colocações conceituais de Guattari, percebemos a dimensão funcional do Acompanhamento Terapêutico como técnica: promovendo o movimento no sentido ideológico, atuando de maneira expansiva na produção da vivificação subjetiva dos sujeitos inseridos no processo de adoecimento, fomentando a quebra de estigmas que outrora foram defendidos por outros modelos clínicos vigentes, e, como clínica acontecimento: ofertando a possibilidade de um cuidado elaborado, pautado em reflexões filosóficas e existenciais, promovendo uma abertura no campo social para o deleite da subjetividade destes sujeitos que foram trancafiados em seus territórios por uma parcela da sociedade que não os compreende em sua essência sensível e diversa.
Feitas as conceituações, passamos para outras questões importantes que tangem o Acompanhamento Terapêutico, como a formatação do seu setting, o seu funcionamento, o seu contrato. Para isso, recorremos novamente a Araújo (2005, p. 54):
O setting do acompanhamento terapêutico é aberto, se dando em qualquer lugar, ou ao menos qualquer lugar é um potencial clínico para o acompanhamento terapêutico; seu tempo varia de acordo com as situações, necessidades, contratos, o que faz com que o acompanhamento possa variar de minutos de atendimento até dias inteiros.
Trata-se, então, de uma tecnologia que não se limita, não se demarca, não se constrange, instituindo a disponibilidade como núcleo central do seu funcionamento, não se omitindo a situações adversas, mas, pelo contrário, compreendendo que as demandas contemporâneas fogem da concepção de um setting fechado, impossibilitado de difundir as concepções psicológicas nos mais variados lugares, e de também absorver desses lugares, concepções novas que formatem um saber psicológico mais amplo, mais global.


Portanto, o Acompanhamento Terapêutico configura-se como a clínica do acontecimento, uma clínica sugestivamente mais intensiva e também extensiva, uma clínica que se permite em seu formato de atuação, a construção simbólica de espaços que possam constituir elementos terapêuticos importantes para o processo. Por isso, encontramos em Araújo (2005, p. 63) uma tratativa dos espaços infindos que ocupam essa posição de construção espacial:
Ao falarmos de um espaço onde se encontra, "o fluir eterno das coisas", não estamos mais falando do espaço enquanto forma constituída. O entre-dois pode ser agora a figura. Entre duas paradas, entre um lugar e outro, entre um momento e outro, entre a rua e o acompanhado, entre o acompanhado e o acompanhante, entre o acompanhado e ele mesmo, entre a rua e o acompanhante, entre o mundo e outro, entre as palavras e as coisas, entre os sujeitos e os objetos.
Portanto, chegamos aqui na máxima do Acompanhamento Terapêutico, entendendo-o como uma tecnologia de cuidado que possibilita a formação de vínculos, a produção de acolhimentos em qualquer espaço, em qualquer situação, configurando-se como um devir clínico, um devir do cuidado, sendo um facilitador para a acessibilidade ao serviço psicológico por sujeitos que demandam atendimento, tornando-se inevitavelmente, um órgão importantíssimo da clínica ampliada, promovendo tanto para o acompanhante quanto para o acompanhado, uma experiência única no sentido relacional e existencial, exaltando o poder das novas tecnologias de cuidado no que tange à nova formulação do saber e fazer clínico em saúde mental.
5 Aspectos Metodológicos
Para concluirmos o objetivo do trabalho proposto utilizou-se no método a pesquisa de campo de caráter exploratório, o que coaduna com o proposto por Marconi e Lakatos (2003, p. 188):
As pesquisas exploratórias são compreendidas como investigações de pesquisa empírica cujo objetivo é a formulação de questões ou de um problema, com tripla finalidade: desenvolver hipóteses, aumentar a familiaridade do pesquisador com um ambiente, fato ou fenômeno para a realização de uma pesquisa futura mais precisa ou modificar e clarificar conceitos.
Justifica-se, de modo semelhante, a escolha quanto à abordagem qualitativa, através da definição de Minayo (1995, p. 21-22)
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser quantificado, ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.


Quanto à técnica de coleta de dados, utilizou-se a entrevista semiestruturada, descrita por Triviños (1987) como uma entrevista que se caracteriza pelos seus questionamentos básicos que são apoiados em teorias e hipóteses que se relacionam ao tema da pesquisa. Dessa maneira, os questionamentos possibilitariam novas hipóteses surgidas a partir das respostas dos informantes. O foco central seria colocado pelo investigador-entrevistador. No que diz respeito a análise dos dados, o instrumento utilizado foram as falas transcritas decorrentes do processo de entrevistas.
Nas entrevistas semiestruturadas, investigou-se também dados sócios demográficos como parte do conhecimento do perfil social dos entrevistados, sendo os seguintes aspectos considerados: nomes fictícios2 ou iniciais, idade, sexo, ocupação e renda econômica. As questões foram aplicadas para as famílias que participam dos serviços de saúde mental, bem como com indivíduos que não possuem vínculos com nenhum desses dispositivos, no município de Vitória da Conquista – Bahia.
Foram entrevistadas seis famílias destes sujeitos, onde perguntou-se sobre questões relativas à percepção do Acompanhamento Terapêutico. Justifica-se a população amostral proporcional à disponibilidade de famílias no período decorrente da realização da presente pesquisa de campo. Todas as entrevistas foram realizadas nas residências destes sujeitos, e gravadas, cujos áudios foram transcritos e analisados para o alcance do objetivo proposto.
6 Resultados e Discussões
Nesta seção, objetiva-se discutir os aspectos mais relevantes das questões elencadas nas entrevistas, como: a participação da família e do círculo social na vida dos sujeitos que possuem sofrimento psíquico; a participação da família no cuidado; a relação da família com o adoecimento, permitindo ainda conhecer os benefícios que o Acompanhamento Terapêutico pode ter proporcionado não só ao indivíduo, mas ao seu círculo familiar e social.
Categoria I - Percepção sobre o Acompanhamento Terapêutico
Notou-se nas falas coletadas aspectos importantes e distintos a serem analisados. Quanto à percepção sobre o Acompanhamento Terapêutico dessas famílias entrevistadas, observa-se uma concordância positiva com relação ao seu exercício, ficando explícito nas falas do entrevistado 2 (A.A): "Eu achei ótimo, muito bom" e do entrevistado 3 (I.M)
2 Foi perguntado aos entrevistados como eles gostariam de ser chamados ou se preferiam usar inicias ou nome fictícios.


"Achei muito bom, estou gostando muito que elas vêm buscar ele e ele vai, e elas têm aquela boa vontade com ele" e do entrevistado 6 (J.A) "Muito boa".
O entrevistado 1 revela na sua fala um caráter de "amizade" que foi construído durante as visitas realizadas: "Ah, achei bom né? Uma pena que nem toda vez D. vem participar, mas achei ótimo, ótimo, adorei, ainda ganhei duas amigas" (I.L), algo que se conecta muito quando pensamos na função do Acompanhante e na descrição que Araújo (2005, p. 20) propõe sobre as táticas de atuação:
As táticas de atuação consistem em colocar as pessoas que acompanhamos em contato direto com a vida prática e com o socius. Isso com o intuito de ajudá-las no resgate de atividades que, devido às tramas subjetivas em que entraram, foram comprometidas ou então na criação de atividade até então inéditas.
Isso requer do psicólogo uma séria reflexão sobre a sua postura nessa clínica ampliada, algo que não é visto na roupagem da clínica ortodoxa, onde as posições se engessam e o profissional acaba por manejar sempre as aproximações mais contundentes, não permitindo que de fato ocorra dentro da vinculação, o deleite da amizade, que não pode ser visto como antítese do código de ética do profissional de psicologia. Trata-se de uma adequação ao setting terapêutico da clínica ampliada, onde a participação no seio familiar é mais intensa, por isso o profissional de psicologia precisa estar atento às táticas de atuação, propiciando esse resgate de atividades que estariam desconectadas do individuo e sua família ou até na proposição de novas tarefas.
Já na fala do entrevistado 4, percebemos também a exaltação das orientações prestadas, qualificando o Acompanhamento Terapêutico como um espaço de extensão do conhecimento, onde informações relevantes são prestadas às famílias no intuito de esclarecê-las e torná-las agentes funcionais do processo terapêutico, tornando-as capazes de produzir soluções para as questões adversas que possam emergir no contexto de sofrimento psíquico:
"Eu não tenho o que falar, foi uma maravilha, os meninos gostaram demais, e as meninas são maravilhosas, e eu não tenho o que falar, elas são pessoas maravilhosas, e meus meninos gostaram muito delas, e eu também gostei das orientações que eles me deram" (N.S).
O entrevistado 5 mostrou outro ponto importante do Acompanhamento Terapêutico:
"Eu achei bom que ele melhorou um pouco, porque ele não atendia ninguém, não conversava com ninguém, chegava gente em casa e ele corria pro quarto, tá amenizando mais, e com pouco tempo ele tá melhorando" (A.O).
Salienta-se aqui a importância dos agenciamentos dentro dessa ampliação clínica, dessa tecnologia de cuidado leve, que vem ao encontro do que Araújo (2005) postula, permitindo exercitar a reflexão de que através desses agenciamentos ocorrem os acontecimentos. E é isso que objetiva-se enquanto Acompanhante, a possibilidade de


movimento quando a subjetividade do indivíduo está trancafiada em seu quarto, podada, seca como os arbustos da caatinga. É esse movimento-acontecimento que promove dentro do sujeito uma inquietação positiva, o que a fala explicitada deixa bastante evidente, permitindo ao Acompanhante a elaboração das estratégias de cuidado.
Categoria II – Acesso e Proposta do Acompanhamento Terapêutico
Nessa segunda categoria, iremos discutir os aspectos mais relevantes do acesso ao Acompanhamento Terapêutico, ou seja, de que forma esses usuários tiveram conhecimento a essa estratégia de cuidado, como também da percepção da família sobre essa inovação clínica como proposta de cuidar.

Relatos sobre o acesso ao AT
Percebe-se, através das falas dos participantes deste estudo sobre o acesso ao Acompanhamento Terapêutico, uma participação efetiva dos dispositivos de saúde, que na sua característica de trabalho em rede consegue proporcionar a inserção dessa nova tecnologia de cuidado aos sujeitos em sofrimento psíquico grave e que possuem limitações subjetivas ou físicas no acesso ao serviço de saúde mental, portanto, a presença maciça desses dispositivos legais de saúde como rede de interseção entre população e serviços, reflete a importância das políticas públicas neste setor no âmbito federal, governamental e por consequência municipal, propiciando de maneira direta a inclusão e a promoção de qualidade de vida para a sociedade.
Dessa maneira, verificam-se nos relatos as seguintes informações quanto ao conhecimento e acesso do Acompanhamento Terapêutico:
"Foi através do pessoal lá do CAPS, né? Porque a primeira vez quando eu desci, elas já tinham ido embora, mas foi através do CAPS que as conheci" Entrevistado 1. (I.L)
"Através do Afrânio Peixoto e do CAPS né? Quem me apresentou eles foi o pessoal do CAPS." Entrevistado 2. (A.A)
"Foi através do CAPS, porque toda vida ele foi ao CAPS depois não quis ir mais, ai as meninas vieram aqui e levaram ele de volta" Entrevistado 3. (I.M);
"Através do posto de saúde, foi D. que é agente de saúde do posto, foi ela que me apresentou." Entrevistado 4. (N.S);
"Foi através de T. do CAPS" Entrevistado 5. (A.O);
"Foi através do CAPS" Entrevistado 6. (J.A).
Dessa maneira, é importante pensar que a participação dos dispositivos de saúde na promoção do acesso ao Acompanhamento Terapêutico, torna essa modalidade viável no sentido mais amplo da produção de cuidado aos sujeitos que experimentam algum tipo de sofrimento psíquico, e, portanto, amplia o campo de atuação do psicólogo e de profissionais multidisciplinares, sanando uma demanda latente e que carece de soluções emergenciais, considerando a complexidade de cada caso, tornando, assim, a prática psicológica maisadaptável às demandas contemporâneas, dando ao profissional de psicologia a oportunidade de praticar inovações técnicas e teóricas.
Relatos sobre a proposta do Acompanhamento Terapêutico
Observa-se nos relatos sobre a proposta do Acompanhamento Terapêutico, aspectos relevantes quanto à sua qualificação, quanto ao seu funcionamento e o seu caráter transformador das rotinas onde os sujeitos que apresentam algum tipo de sofrimento psíquico estão inseridos.
Nessa primeira fala, percebe-se uma concordância positiva quanto à proposta e por consequência um caráter de integração dos acompanhantes no ambiente familiar, permitindo assim, essa proposta inovadora de clínica, que as inesgotáveis possibilidades de atuação em localidades prováveis e improváveis possam caracterizar essa clínica do não lugar, dessa maneira levando os acompanhantes à "fazenda‟ da família, possibilitando então uma intersecção entre acompanhante, acompanhado e família: "Ah eu achei ótimo, melhor ainda se D. participasse de todas vezes, mas nem todas as vezes ele vem. Foi bom, e o dia que nós fomos para fazenda? Melhor ainda." (I.L) entrevistado 1. Nessa fala, clarifica-se a percepção do não lugar dentro da construção do atendimento, dando ao território uma conotação especial, permitindo ao sujeito inserido no processo terapêutico que tenha uma construção simbólica e afetiva com esse local, garantindo, assim, a sua identidade territorial, como nos revela Deleuze e Guattari (1992 apud ARAUJO, 2005, p.41).
O território implica na emergência de qualidades sensíveis puras, sensibilia que deixam de ser unicamente funcionais e se tornam traços de expressão, tornando possível uma transformação das funções. Sem dúvida essa expressividade já está difundida na vida, e pode-se dizer que o simples lírio dos campos celebra a glória dos céus. Mas é com o território e a casa que ela se torna construtiva e ergue os monumentos rituais de uma missa animal que celebra as qualidades antes de tirar delas novas causalidades e finalidades. Esta emergência já é arte, não somente no tratamento dos materiais exteriores, mas nas posturas e cores do corpo, nos cantos e nos gritos que marcam o território.
Dando sequência à discussão, observa-se aqui uma fala importantíssima para a defesa da subjetividade destes sujeitos que, como nos referimos anteriormente, tiveram inúmeros prejuízos subjetivos ao longo de suas vidas:
"Eu achei ótimo, porque me descobriram, nem eu, não é? Descobriram J, através deles que descobriram e já é um adiantamento pra gente muito bom, pra gente poder provar que a gente não tá esquecido, principalmente ele que pode até não viver em sociedade, mas pelo menos em nome o pessoal tá lembrando, eu não tenho ele como louco, eu tenho ele como uma pessoa que tem problema, mas que pode viver entre a gente e eu vivo 24 horas pra ele por causa disso." (A.A) entrevistado 2.
Nota-se também uma visão positiva quanto à proposta do Acompanhamento Terapêutico, mas o que realmente salienta a importância dessa ampliação clínica é a vivificação da subjetividade, o fato dessa mesma subjetividade ter sido "esquecida‟, e descoberta novamente através do acompanhamento; portanto, o caráter dessa visita no domicílio representa pra essa família uma vivificação do seu contexto, permitindo a construção terapêutica de modo que eles sintam-se contemplados, lembrados, o que nos faz pensar sobre a criatividade dessa clínica e dessa nova maneira de fazer saúde mental, explícito no pensamento de Melman (2002, p. 60):
A construção-invenção de um outro modo de tratar os pacientes passa por uma revisão do modelo médico ou psicológico que se fundamenta na relação mecânica de causa e efeito na análise de constituição da loucura. A proposta aponta para a elaboração de um novo paradigma que possa dar conta da complexidade do novo objeto: a pessoa em suas múltiplas conexões com o social.
A concordância com a proposta continua a aparecer em outras falas:
"Eu tô achando muito bom, tô gostando demais, que elas estão acompanhando ele, e ele também tá gostando." (I.M) entrevistado 3;
"Eu achei maravilhosa, não tenho o que falar." (N.S) entrevistado 4;
"Foi bom, porque depois que começou ele tá mais calmo, atendendo positivamente às visitas." (A.O) Entrevistado 5.
Atenta-se, então, que a proposta é bem aceita pelas famílias e pelos sujeitos que parecem responder bem aos investimentos afetivos dos acompanhantes, transformando o que era até então simples rotina em atividades prazerosas que possam levar esses sujeitos a conectarem sua subjetividade com o mundo exterior, com as demandas sociais, abrindo espaço para a voz dos seus desejos e anseios, tornando-os capazes de abstrair a realidade que muitas vezes os machucaram em sua trajetória sensível pelo mundo, fomentando a sua criatividade, o seu contato com a diversidade, fazendo-os brilhar como a luz das estrelas neste mundo de existências plurais que buscam perpetuar cada vez mais os seus significantes existenciais.
Categoria III – Ressonância do Acompanhamento Terapêutico no círculo social e família.
Nesta categoria, diferentemente da primeira, onde colhemos a percepção dos responsáveis pelo sujeito (pai, mãe, avós), iremos discutir a percepção de pessoas próximas ao círculo social destes sujeitos inseridos no processo do Acompanhamento Terapêutico bem como de outros familiares não citados na primeira categoria, portanto, trata-se de uma complementação sobre a percepção do Acompanhamento, com outro olhar, com outra sensibilidade, com outras opiniões moldadas por aspectos diferentes, tais como os: sociais, econômicos, culturais, existenciais.
Assim, a primeira fala retrata:
"A opinião é que é fundamental o acompanhamento, tanto na questão da (pausa) eu tenho assim certa rejeição ao manicômio, porque eu acho que é muito cruel, e essa proposta de acompanhamento, dos estudantes de psicologia e do profissional de psiquiatra3 em casa, eu acho que é bem melhor pro tratamento, né? Eu vejo dessa forma, até pra ele começar a viver socialmente, num outro ambiente e tudo, e acho super válido, porque não tem quem convive diariamente com isso e tá inteiro psicologicamente, então o tratamento é com toda a família e por isso precisa o acompanhamento com a família inteira." (D) entrevistado 1.
Observa-se, assim, que há também uma concordância na percepção dos membros familiares quanto ao AT, nessa fala, especificamente, entende-se que há sim um trabalho também voltado para os membros da família que carregam inevitavelmente resquícios do sofrimento psíquico do ente familiar adoecido; compreende-se que há, nesse caso, um sofrimento familiar gerado pela preocupação da pouca socialização do indivíduo e pela complexidade do seu sofrimento, o que consegue-se observar no seguinte comentário de Melman (2002, p. 79):

O fato de que a presença de uma pessoa com transtorno mental grave produz um impacto nos outros membros da família despertou o interesse de vários pesquisadores em avaliar a intensidade e a natureza desse impacto. Os achados dessas pesquisas mostram repetidamente que os familiares estão sobrecarregados por demandas que envolvem a função de acompanhar seus membros adoecidos e cuidar deles. Nos últimos anos, o conceito de sobrecarga familiar (Family burden) foi desenvolvido para definir os encargos econômicos, físicos e emocionais a que os familiares estão submetidos e o quanto a convivência com um paciente representa em peso material, subjetivo, organizativo e social.

Continuando o processo de análise dos dados, observamos a fala: "Ah, eles acham ótimo, falam que foi bom, o outro disse que até que enfim enxergaram J." (A.A) entrevistado 2, na qual percebe-se mais uma vez o caráter de vivificação da subjetividade, retirando o indivíduo do esquecimento, assim como no relato a seguir: "Tão gostando, achando muito bom, de vez em quando ela fala assim: "ô E., você se arruma que as meninas vem te buscar, as vezes vai de carro ou então vai a pé com elas" (I.M) entrevistado 3. Nessa fala, percebe-se a dimensão prática do AT, o seu aspecto dinâmico, do movimento, da inquietação positiva que é despertada no indivíduo, que é convidado a participar desse mundo terapêutico tão carregado de possibilidades.

Outros relatos, como "Maravilhoso, eu falei pra elas e elas acharam maravilhoso" (N.S) entrevistado 4 e "Eles [pai e irmão] não interferem muito não, mas perceberam que ele tem melhorado, está mais calmo." (A.O) entrevistado 5, demonstram que, o, apesar da participação dos familiares não ser tão efetiva, há uma concordância de que o Acompanhamento tem sido benéfico para o indivíduo em sofrimento psíquico.
Portanto, conclui-se nessa categoria, que o Acompanhamento Terapêutico tem alcançado a satisfação dos membros familiares e do círculo social desses sujeitos, instaurando
3 Ao referir-se ao psiquiatra, ele está se remetendo ao atendimento realizado pelo psiquiatra do CAPS que acompanha seu irmão.um processo de cooperação, de sensibilização, buscando auxiliar não só o sujeito, como toda a sua família que, inevitavelmente, sofre com as mazelas do adoecimento.

Categoria IV – No seio do cuidado: desdobramentos da participação familiar no AT, no cuidado e a sua relação com o adoecimento.
Nesta categoria, faremos discussões acerca dos discursos e das relações entre a participação da família no Acompanhamento Terapêutico, a participação da família no cuidado, e por fim a relação da família na eclosão do adoecimento, relações essas que evidenciam de que maneira o psicólogo na sua tarefa de acompanhante pode contribuir para a mitigação do sofrimento causado pelo adoecimento.
"Importantíssima, muito importante eu acho, e ai daquele que não tem a família." (I.L) entrevistado 1;
"Ah eu acho ótimo, muito importante, porque se a família não for em primeiro lugar depois de Deus, ai não tem nada feito. Porque a gente tem que dar o apoio, primeiramente Deus, depois a gente" (A.A) entrevistado 2;
"Eu acho bom né, é muito bom né, é muito bom o acompanhamento, acompanhar ele pra não ficar só dentro de casa ou então na rua bestando, e aí tem uma atividade pra ele né, ocupar a mente" (I.M) entrevistado 3;
"Maravilhoso, acho importante" (N.S) entrevistado 4;
"É bom porque todo mundo fica ciente do que tá acontecendo, a gente senta e conversa sobre o problema dele, só que na frente dele, não, porque ele não aceita muito que a gente converse sobre isso, ele fica nervoso, tinha uma outra moça que vinha aqui que até que conseguia conversar mais, tinha hora que ela chegava aqui e ele corria pro quarto, mas ela ia lá batia na porta e ele abria, tem que jogar duro né?" (A.O) entrevistado 5;
"Muito boa" (J.A) entrevistado 6.
Nota-se em todas as falas supracitadas, uma participação da família no Acompanhamento, o que continua a nos dar uma ideia de integração entre acompanhante, acompanhado e família, contribuindo dessa maneira para o esclarecimento sobre o transcorrer do processo terapêutico, as atividades que são realizadas, os comportamentos, discursos, atitudes e ações apresentadas por esses sujeitos durante o atendimento, o que de certa forma facilita os laços de vinculação e o conhecimento da própria família sobre o adoecimento, o que vem a calhar com o pensamento de Melman (2002, p. 60):
O problema fundamental nesse sentido, não reside em remover o sintoma, a doença, ou recuperar a pessoa, mas em criar muitas possibilidades de vida dentro de um modelo cultural que deixe de ser o de custódia ou de tutela, apoiando-se na participação e no desenvolvimento de projetos que alarguem os espaços de liberdade dos sujeitos.
Assim a participação continua da família no Acompanhamento, promove o processo de libertação, construindo um novo sentimento: o de pertencimento subjetivo em relação ao de exclusão, repressão e violação. Possibilitando a esses sujeitos, um novo prisma, uma nova forma de encarar as suas demandas, removendo o adoecimento como pauta central da sua existência, tornando as conexões afetivas entre a família mais resistentes.
Relação da família no processo de adoecimento

Nesta subcategoria discutimos a relação da família no processo do adoecimento, ou seja, como que o processo de adoecimento foi percebido e recebido por eles, e quais foram as percepções dos membros familiares acerca da situação, por ela demandar um investimento afetivo, emocional e econômico.
"No inicio foi assim, teve uns assim que não aceitavam, porque também foi a doença e droga, e teve uns assim que as vezes acreditava que era só droga e que não tinha doença, porque misturou né droga e doença, mas eu não tenho muito o que queixar assim que algum irmão desprezou ele, as vezes eu percebo assim um pouquinho de discriminação, mas não foi assim todos, e os sobrinhos não tem, chega bate papo, entende ele, ele chama vai, fecha a porta, fuma fica ali mas pra não contrariar, mas não teve muita coisa não, e o que teve mais assim foi porque trouxe mulher e falar a verdade até psicóloga mas pelo menos a gente teve cuidado dele não perceber, teve até uma discussãozinha mas nós não deixamos ele perceber, até hoje ele não sabe, mas não foi assim (...) no início L, não aceitou, para te falar a verdade né L? Mas depois que ele assistiu os filmes, os filmes ajudaram muito." (I.L) entrevistado 1
Nessa fala, percebe-se que apesar da pequena discriminação que o sujeito sofrera por alguns membros familiares, a família sai em defesa do seu projeto terapêutico, e, para completar o raciocínio de que ainda existe fortemente o pensamento de exclusão desses sujeitos no meio social, recorremos a Melman (2002) ressaltando que a exclusão do louco é resultado de uma "percepção social" difusa, diluída pelas inúmeras instituições que associam a loucura ao negativo da razão. Em nossa sociedade, a doença mental é vista como ameaça, perigo, déficit, ilusão, defeito.
"Muito acompanhamento, minha família é muito unida, todos são unidos, apesar de que um é alcoolatra, eles são muito unidos." (A.A) entrevistado 2;
"Foi boa, a gente tem incentivado ele a participar mais do CAPS, a gente fala com ele, quando é no dia na Segunda Feira, a gente fala que as meninas vem buscar você E." (I.M) entrevistado 3;
"Recebemos muito bem, e buscamos auxilia-los com toda a dificuldade." (N.S) entrevistado 4;
"Ah quando ele adoeceu ele trabalhava numa empresa e aí teve um dia que ele chegou aqui dizendo que o pessoal lá ia dispensar ele, e ele na parte da noite já ficou subindo e descendo a rio-bahia "doido‟, dizem as pessoas que ele usava umas coisas ai, agora todo mundo aqui aceitou, apoiou ele, foi muita luta mas todo mundo apoiou ele aqui." (A.O) entrevistado 5;
"Sempre lutando com eles em relação a isso." (J.A) entrevistado 6.
Ao finalizar essa categoria, observa-se que, mesmo com todas as dificuldades ainda encontradas no cotidiano, como preconceito, violência, desinformação, as famílias conseguem lidar com o processo do adoecimento, superando as mazelas e buscando auxílio dos serviços de saúde mental para construir caminhos e soluções efetivas a fim de que se encontre qualidade para a vida desses sujeitos. Nesse sentido, o Acompanhamento Terapêutico tende a orientar essas famílias visando o cuidado, maximizando assim as possibilidades terapêuticas,
buscando harmonizar essas relações em meio a esse turbilhão de problemas que emergem desse contexto, retirando-as da posição de cronificação do adoecimento, como sugere Melman (2002 pp. 84-85):
Atualmente já existe um certo consenso de que determinados padrões de interação familiar podem contribuir para a cristalização do papel do doente. A formulação teórica dos processos de cronificação intimamente atrelada ao contexto social e cultural conseguiu operar um deslocamento no modo de olhar o fenômeno, possibilitando ver coisas antes não percebidas.
Participação da família no cuidado
Nesta fala do entrevistado 1, a expressão do afeto no cuidado, revela-se de maneira a explicitar a aceitação do indivíduo ao projeto terapêutico:
"É muito importante pra ele, é uma demonstração de carinho, de afeto, a gente percebe quando dá o remédio pra ele que ele fica feliz." (I.L) entrevistado 1;
"A participação maior é minha e de um irmão que é evangélico, e da irmã, que damos água pra ele, comida. Nós somos bem ligados a ele." (A.A) entrevistado 2;
"Só nós acompanhamos, a mãe dele tem hora que aparece, uma vez ela foi lá, mas nunca mais, ela também tem problema." (I.M) entrevistado 3;
"Minha e de minha irmã, ela mesmo falou que gostou muito do acompanhamento aqui dentro de casa com os meninos e é uma coisa boa tanto pra você quanto pra eles que você não precisa ficar saindo com eles então eu acho que é maravilhoso." (N.S) entrevistado 4;
"É todo mundo ajuda, conversa, todo mundo colabora." (A.O) entrevistado 5;
"A nossa família é muito unida e o que eu puder fazer pra ajudar ele eu faço" (J.A) entrevistado 6

Os discursos citados acima evidenciam que todas as famílias participam, mesmo que em menor ou maior grau no processo de cuidado, o que nos dá a ideia de que o Acompanhamento Terapêutico, como uma abordagem de extensão clínica, extensão de conhecimento, funciona em nível de instrução, esclarecimento, ajudando essas famílias a elaborarem estratégias de cuidado e soluções para os momentos de adversidade.
Categoria 5 – Benefícios do Acompanhamento Terapêutico
Nessa categoria, iremos discutir os benefícios do Acompanhamento Terapêutico, refletidos nas falas dos entrevistados e de que maneiras eles surgiram e de como podem refletir na importância da continuidade do Acompanhamento Terapêutico, como uma tecnologia leve de cuidado intensivo. Eis os relatos:
"Tô, claro, sim, percebi, muito. Queria que ficasse muito tempo. E ele também, quando ele tá bem a gente via que ele se sentia bem, ele ficava alegre. Mais ai quando ele fica mal, nada tá bom, nada valeu, mas isso é depois que ele fica mal, mas quando ele ta bem, ele sabe que faz bem, tanto que ele disse que fez duas amigas, que ele quase não conversa com ninguém e que agora tem duas amigas e tal, fez bem, mas depois quando ele não tá bem, não tá tomando o remédio, nada presta." (I.L) entrevistado 1.
Compreende-se através dessa fala, que o Acompanhamento Terapêutico promoveu a produção de novas vinculações afetivas, e que dentro dessas vinculações novos elementos

terapêuticos foram constituídos, efetivando a promoção de vivências e construindo de fato experiências não apenas para o acompanhado e família como para o acompanhante, salientando dessa maneira os benefícios de médio e longo prazo e oportunizando ao indivíduo que vive em sofrimento psíquico novos caminhos a serem trilhados.
Seguindo os relatos:
"Percebi, eu percebi primeiro porque eu levantei um pouco o astral porque eu tava muito estressada da primeira vez que os meninos vieram aqui, eu tava muito estressada mesmo, não vou dizer que eu estava desejando algo ruim pra mim porque eu tenho um grande Deus, mas eu tava muito estressada e quando eles me apareceram e começaram a ter diálogo comigo, me ajudou a me orientar mais a cuidar, me orientar mais como agir, cuidar, ter mais paciência, porque tem horas que a gente dá uma ira, não vou mentir que eu sinto uma ira às vezes, tem dias que sinto vontade de jogar um balde de água no rosto dele e ele fala joga mesmo que eu to querendo, ai ta vendo? Tem três dias que não toma banho." (A.A) entrevistado 2.
Nota-se nessa fala a sobrecarga que os familiares experimentam na lida com os esses sujeitos e o quanto o Acompanhamento pode tornar mais leve esse ponto de tensionamento, revitalizando as relações familiares através das orientações, dos direcionamentos, permitindo a elaboração de estratégias de cuidado leve, promovendo uma divisão de tarefas e por assim dizer uma maior organização do sistema familiar.
Na terceira fala, temos:
"Eu percebi, porque né, ele deixou de ir pro CAPS e agora tá indo de novo, ele tá muito diferente, ele só ficava caminhando na rua e agora ele não vai mais pra rua, tem horas que o povo pergunta cadê E, e eu digo tá em casa, porque ele gostava muito de ficar nessa feirinha aí, agora ele não sai mais não, ele melhorou muito" (I.M) entrevistado 3.
Essa fala corrobora com outras falas supracitadas e já discutidas, ou seja, o Acompanhamento Terapêutico novamente aparecendo como instrumento propositivo, buscando através da vivência reafirmar a importância de frequentar os serviços de saúde mental, bem como outras atividades que sejam prazerosas para o indivíduo, ampliando a quantidade de espaços sociais que podem ser desfrutadas por ele. Na quarta fala observa-se:
"Percebi. Pra F. mesmo, eu percebi, ele se apegou muito com as meninas, até porque ele tinha dificuldade de se socializar, ele não conversava muito na escola, e depois que as meninas vieram aqui ele começou a se soltar mais, conversar mais, às vezes ficava na sala de reunião das mães comigo, ai ele já se soltou, brinca com todas as meninas, as mães. E eu acho que foi por isso que beneficiou tanto" (N.S) entrevistado 4.
Aqui, o Acompanhamento Terapêutico demonstra sua eficácia na socialização de um indivíduo que possuía nítidas dificuldades nesse campo, ressaltando mais uma vez a importância do cunho afetivo no processo terapêutico, quebrando as amarras do isolamento social, permitindo uma transgressão do receio, do medo. Na quinta fala:

"Sim, por exemplo, agora ele sai, conversa com as meninas, ele não saia pra rua, era mais dentro de casa, dentro do quarto, a noite ficava zanzando pela casa, e hoje ele aceita mais que as pessoas conversem com ele" (A.O) entrevistado 5.
Percebe-se aqui, o mesmo que se evidencia no discurso 4, onde a afetividade estabelecida no Acompanhamento trás o exercício da segurança, permitindo que esses sujeitos exerçam a sua subjetividade sem os receios que tanto os amedrontam.
Na sexta e última fala: "Percebi, eles ajudaram muito a gente, até um cobertor que minha família não tinha eles me deram, porque a gente não tem dinheiro todo dia pra comprar essas coisas né?" (J.A) entrevistado 6, aqui, percebe-se outro caráter do Acompanhamento, esse dado em um nível social, onde famílias que vivem em vulnerabilidade sócio econômica sentem os impactos econômicos do adoecimento, e, por assim dizer, demandam não de um assistencialismo, mas sim, de um olhar mais humano para a sua situação, promovendo então estratégias/soluções para a minimização desses impactos causados pelo adoecimento, e novamente recorremos a Melmam (2002) para explicitar a importância de um viés social no modelo terapêutico, onde o conhecimento desse aspecto por parte dos profissionais de saúde indica que as intervenções terapêuticas devem levar em consideração esse contexto.

7 Conclusões

Nesse estudo, feito com a sensibilidade de um extenso riacho que corta inúmeras pedras sem machucá-las, exercitou-se a vivência social tanto quanto a vivência psicológica, uma não menos importante do que a outra, talvez, complementares. Procurou-se trazer a tona a percepção dessas famílias tão machucadas pelo advento do adoecimento, sem ofuscar os aprendizados que foram colhidos por essas entidades familiares durante todo o seu tempo de vida. Buscamos compreender como essas percepções moldam o pensamento familiar sobre o Acompanhamento Terapêutico, que busca estabelecer-se como uma prática clínica de cuidado aos sujeitos que experimentam algum tipo de sofrimento psíquico. Com efeito, nota-se, através desse estudo, que há uma busca pelo cuidado em maior ou menor grau por todas essas famílias acompanhadas e que a compreensão acerca da aderência ao projeto terapêutico envolve inúmeras variáveis, por exemplo, a busca pela autonomia, bem estar, diálogo, produção. Pode-se concluir que, o Acompanhamento Terapêutico tem sido ferramenta fundamental na construção de uma gama de novas possibilidade dentro das práxis psicológicas, oxigenando os dutos que ligam essa grande rede de assistência psicossocial, permitindo, então, que haja de fato uma continuidade no trabalho de composição dos quadros

terapêutico, uma vez que, como disciplina de estágio fomenta aos alunos a responsabilidade para com a criação e manutenção dos vínculos afetivos com estes usuários, efetivando o saber psicológico em uma esfera de permanência e ampliação. Conclui-se de outro modo que haja vista todas as soluções oportunizadas pelo Acompanhamento Terapêutico, faz-se necessário torná-lo pauta no seio dos serviços de acolhimento, torná-lo corpo político, torná-lo ainda maior e mais eficaz. É verdade que não é possível pensar em ampliação das práticas psicológicas sem necessariamente ligar essa noção à uma estrutura prévia, onde torna-se condição si ne qua non a presença maciça de alguns recursos. É preciso politizar ainda mais as práticas em saúde mental, não apenas torna-las parte de marcos fundadores de uma outra era, de uma outra concepção no que tange o cuidado do ser em sofrimento psíquico. É preciso ir além. Portanto, conclui-se em definitivo que sem o Acompanhamento Terapêutico, o retorno de tais usuários cadastrados e que evadiram nos últimos anos dos Centros de Assistências Psicossocial estaria absolutamente comprometido, observando que no interior destas práxis psicológicas há um esforço gradiente na tentativa de mitigar essas rupturas para a Rede de Assistência Psicossocial, preenchendo os possíveis furos, reorientando automaticamente tal modelo de atuação. Indica-se que esse estudo deve ser ampliado, para que resultados maiores e mais significativos possam surgir, possibilitando então novas contribuições para o cenário do Acompanhamento Terapêutico.

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Recebido em: 22 de Setembro de 2015
Aceito em: 09 de Janeiro de 2017




 
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